Jornal de Cordeirópolis, 1981: quando a imprensa local falava com a voz do poder

Em meados de 1981, o Jornal de Cordeirópolis chegava às mãos dos moradores com o mesmo ritual semanal: páginas amareladas, manchetes em letras garrafais e um conteúdo que revelava muito mais do que apenas notícias , mostrava o estilo de jornalismo que predominava nas pequenas cidades do interior paulista naquela época. As matérias refletiam um período em que a imprensa regional ainda dependia fortemente do apoio institucional, e isso se percebia claramente no tom adotado. As manchetes enalteciam obras, decisões administrativas e nomes políticos ligados ao governo municipal, num estilo de escrita que hoje soaria como “oficialista”  ou, em linguagem popular, um jornal que estava junto do poder. Manchetes e política: o elogio como pauta A edição de 1981 trazia títulos como “Criado o Foro Distrital de Cordeirópolis,  mais uma grande conquista da atual administração”.A escolha das palavras já denunciava o posicionamento do veículo: o foco estava menos no fato em si e mais em reforçar o mérito político de quem o conduzia. Esse tipo de manchete era comum em publicações locais que tinham forte ligação com as prefeituras,  tanto pela dependência financeira da publicidade oficial quanto pelo alinhamento político entre jornalistas e gestores. O conteúdo apresentava frases longas, cheias de expressões como “digna administração”, “empenho notável” e “ilustre deputado”.Em vez de questionar ou contextualizar, o jornal funcionava como um porta-voz da gestão municipal. Câmara e Legislativo: notas protocolares e previsíveis A seção “Notícias do Legislativo” seguia a mesma linha.Reproduzia requerimentos, indicações e agradecimentos aos vereadores, sem análise ou contraponto.Tudo era escrito de forma protocolar, com o objetivo de registrar, não de investigar. Era o jornalismo de registro técnico, respeitoso e obediente que prevalecia nas pequenas cidades, onde a proximidade entre jornalistas e autoridades era inevitável. Coluna Social: o espelho da elite local Ao lado da política, a Coluna Social, patrocinada por Beth Joalheria, era outro símbolo da época.Ali, casamentos, aniversários e formaturas ganhavam destaque com textos elogiosos, cheios de adjetivos.A escolha dos nomes também revelava o recorte social do jornal: famílias tradicionais e conhecidas, reforçando o status e as conexões políticas. Essas páginas não apenas informavam, serviam como espaço de prestígio. Ser citado na coluna social era, para muitos, sinal de reconhecimento público. Religião e moral: presença constante da Diocese Outra seção fixa era a da Diocese de Limeira, com comunicados religiosos e mensagens pastorais.A Igreja tinha papel de destaque, e o jornal tratava o tema com reverência.Era uma época em que religião e política conviviam lado a lado nas páginas do impresso, e a moral cristã servia de pano de fundo para a narrativa pública.  Publicidade e economia: o comércio como sustentação Os anúncios ocupavam boa parte da edição e revelam a força do comércio local da época.Supermercados, laboratórios, lojas de roupa e oficinas anunciavam seus serviços com slogans diretos: “O guardião da sua economia”,“Serviços fotográficos em geral”,“Delicioso cupim e pizzas.” Essas propagandas eram a principal fonte de receita do jornal e, ao mesmo tempo, reforçavam a imagem de uma cidade que se modernizava lentamente, entre o campo e o comércio urbano. Esportes e lazer: o alívio das páginas sérias No meio de tanto conteúdo institucional, as colunas esportivas traziam leveza.O Campeonato Varzeano, os torneios de bocha e o Snooker Intermunicipal eram descritos com entusiasmo popular, destacando equipes, artilheiros e curiosidades.Ali o jornal se aproximava do leitor comum, longe da formalidade política e mais próximo da vida real da cidade. O estilo da época: formalidade e dependência O Jornal de Cordeirópolis de 1981 é um retrato claro de um modelo de imprensa que existia em praticamente todo o interior paulista.Os textos eram longos, formais e cheios de adjetivos.O foco principal era valorizar autoridades e manter boa relação com o poder público, um reflexo de uma época em que a liberdade de imprensa ainda era limitada, e a sobrevivência do jornal dependia diretamente do apoio das prefeituras. Mais que um jornal: um documento histórico Hoje, ao reler essas páginas, o que antes era visto como discurso político ganha outro valor: o de documento histórico.Ele mostra como o jornalismo local evoluiu, como a linguagem mudou e como Cordeirópolis, ainda jovem como município, usava o jornal para afirmar sua identidade e seus feitos. O exemplar de 1981 não é apenas uma lembrança, é uma aula sobre comunicação, poder e os bastidores de uma cidade que começava a se reconhecer nas próprias páginas. 📍 Fonte: Jornal de Cordeirópolis – Edição de 1981📚 Acervo digital – Projeto Tá no Arquivo

O CORDEIRENSE: A voz combativa do interior paulista em 1905

Cordeiro, Estado de São Paulo – 7 de abril de 1905 PELA SEMANA: O silêncio ensurdecedor da oposição Em mais uma edição incendiária, O Cordeirense não poupa críticas aos adversários políticos locais. O editorial “Pela Semana” de quinta-feira traz à tona uma questão que vem movimentando os bastidores da política cordeirense: o silêncio repentino e suspeito dos oposicionistas após a publicação de um artigo polêmico. A controvérsia que incendiou Cordeiro Tudo começou quando um grupo de oposicionistas locais publicou um artigo assinado coletivamente como “Alguns oposicionistas”. A peça, aparentemente inflamada e cheia de acusações, deveria ter sido o início de um grande embate político. No entanto, o que se seguiu foi um silêncio absoluto  e é justamente esse mutismo que O Cordeirense considera ainda mais revelador que qualquer resposta. “Mais perplexos, mais pasmados, mais atônitos deixaram-nos o silêncio impenetrável do oposicionismo e a incontinente subtração das columnas do seu orgam de publicidade”, escreve o redator, com a ironia afiada característica do jornalismo político da época. A comparação devastadora O editorial não se contenta em criticar apenas o silêncio. Vai além, estabelecendo uma comparação mordaz entre os oposicionistas de Cordeiro e seus correligionários da capital paulista. Segundo o jornal, os cordeirenses superaram seus colegas metropolitanos em “ridículo” e em atitudes “condenáveis”. Enquanto o diário oposicionista da capital, quando confrontado, refugiou-se em sua “bazofia e parlante comporta de descommedidas”, ainda assim manteve algum tipo de resposta. Os cordeirenses, por outro lado, escolheram o caminho mais covarde: entre “dobras inexcusáveis, inausterá e injustificáveis”, optaram pelo silêncio. O golpe interno: Quando o partido trai os seus Mas a crítica mais devastadora do editorial não se dirige apenas ao silêncio, mas a uma manobra política considerada traiçoeira. O Cordeirense denuncia que houve uma alteração nos “ditames da razão” partidária, uma mudança nas regras do jogo político que resultou no “desprezo lançado abertamente à face do diminuto número de oposicionistas cordeirenses”. O que teria acontecido? Segundo o jornal, foi um “golpe traiçoeiro, despido de sinceridade, inabilmente forjado” contra o próprio povo de Cordeiro. A acusação é grave: os líderes da oposição teriam traído seus próprios correligionários e eleitores. O céu político da oposição: nublado e sem luz Em linguagem quase poética, o editorial sentencia: “O céu político do oposicionismo já está nublado e, não tarda muito, teremos o ensejo de admirar-se um tranquilo e num horizonte pallido, sem deixar rastro de saudade, semelhante a um sol que, ao pôr-se no occidente prenhe de nuvens, ao pólo delta féres de luz que illuminem o seu redor…” A metáfora é clara: o movimento oposicionista em Cordeiro está em seus últimos momentos, como um sol que se põe sem deixar rastros memoráveis, ofuscado por nuvens de suas próprias contradições. A VANGUARDA JORNALÍSTICA: Novo jornal em Rio Claro Em meio às batalhas políticas locais, O Cordeirense dedica espaço para anunciar o surgimento de um novo veículo de comunicação no interior paulista. Trata-se de “A Vanguarda”, jornal que em breve circulará na vizinha cidade de Rio Claro. João Aranha: O jovem promissor À frente da nova publicação estará o jornalista João Aranha, descrito como um “abalizado jornalista” e “jovem dotado com o refinado espírito acadêmico”. A expectativa é de que Aranha traga seu fino espírito intelectual para tratar dos interesses daquela “adiantada cidade”. A nota demonstra a rede de comunicação que existia entre os jornais do interior paulista no início do século XX, onde as publicações se apoiavam mutuamente e compartilhavam informações sobre o panorama jornalístico regional. VIDA SOCIAL: aniversários, casamentos e visitas ilustres Aniversário de Dionysio Rosetti O Cordeirense registra, com seus votos de felicidade, o aniversário natalício do senhor Dionysio Rosetti, “celebrado na corrente semana”. O jornal deseja ao aniversariante o “nascimento de um robusto menino”, uma expressão da época que provavelmente se refere a votos de prosperidade e continuidade familiar. Talento musical em família Outro destaque social é o festejo de aniversário da estudante Mirandolina, identificada como “enteada de nosso redactor”. A jovem, descrita como estudiosa, teria demonstrado seus talentos musicais durante as comemorações, recebendo elogios do jornal. Casamento paulistano Entre as notícias matrimoniais, destaca-se o contrato de casamento do senhor Joaquim Leocadio Freire Junior, que na capital paulista celebrou núpcias com a senhorita Elvira Ricelli. O registro deste casamento em São Paulo demonstra as conexões das famílias cordeirenses com a capital do estado. Visita de negociante O jornal também registra a chegada à cidade do senhor Luiz Chiachia, Chiachia negociante domiciliado em Santa Veridiana”. O visitante ilustre hospedou-se no Club Ceramur, estabelecimento local que aparentemente também funcionava como ponto de encontro social. AGRADECIMENTOS: A rede jornalística do interior Em sua seção de agradecimentos, O Cordeirense reconhece a cortesia do jornal “O Limeirense”, que transcreveu em sua primeira página um artigo do “Boa Idéa”, publicado no último número do Cordeirense. Esta prática de reprodução de artigos entre jornais do interior era comum na época e demonstra como as publicações regionais formavam uma rede de comunicação e apoio mútuo, amplificando vozes e notícias através do território paulista. FLORES E LÁGRIMAS: A poesia da morte Em contraste gritante com o tom combativo do editorial político, O Cordeirense publica um texto profundamente melancólico e reflexivo sobre a morte e o esquecimento, assinado por Dario. O luto performático “Flores e lagrimas, si eu morreste amanhã, me acompanhariam ao cemiterio: flores e lagrimas…” O texto começa descrevendo o ritual fúnebre: flores e lágrimas acompanhariam o defunto ao cemitério. Mas o autor introduz imediatamente uma nota de ceticismo sobre a sinceridade desse luto. Alguém, movido pela curiosidade e não pela verdadeira dor, pararia para indagar sobre quem morreu. O esquecimento inexorável “Depois de oito dias alguém passaria a chorar sob a minha campa… Depois, ninguem mais…” A progressão temporal é cruel: após oito dias, ainda haveria quem chorasse sobre a tumba. Mas depois? Ninguém mais. O esquecimento é apresentado como inevitável e universal. A extinção do afeto “com o meu passamento, todo o affecto se extinguiria! E eu seria esquecido para sempre.” A reflexão mais amarga do texto é esta: com a morte,

O Martello: um jornal humorístico de Cordeiro em 1916

3 de dezembro de 1916 – Número 3 Um retrato do Brasil em plena primeira Guerra Mundial Enquanto a Europa sangrava nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, em Cordeiro, interior do Rio de Janeiro, circulava aos domingos um pequeno jornal que retratava o cotidiano, as fofocas, os amores e os costumes de uma cidadezinha brasileira do início do século XX. “O Martello” – com dois L’s, grafia da época – se apresentava como um periódico de “crítica e literatura / humorismo e variedades”, propriedade de uma associação com redatores diversos. Era 1916, o Brasil ainda vivia a Belle Époque tropical, e a imprensa local fervilhava com publicações semanais que misturavam literatura, sátira social e crônicas do cotidiano. A estrutura do jornal Esta edição de dezembro de 1916 traz em suas páginas uma mistura fascinante de gêneros: Literatura e reflexão A página de abertura apresenta textos filosóficos e melancólicos, típicos do romantismo tardio que ainda dominava as letras brasileiras. Um dos textos, intitulado “Logares felizes”, reflete sobre o fim das coisas e a passagem do tempo, tema recorrente em uma época marcada pelas incertezas da guerra mundial. A coluna social: “Não sympathisamos…” Aqui está o coração do jornal humorístico! Esta seção listava, de forma satírica, personagens locais e suas características. Era o equivalente às redes sociais da época, todos queriam saber quem estava sendo “cutucado” publicamente. Alguns exemplos curiosos mencionados: Fofocas e mexericos: “Implico-me…” Outra coluna deliciosa! Aqui o jornal “implicava” com situações do cotidiano local: Contos: “Contos electricos” O jornal publicava ficção! A seção traz um conto sobre “Lulú”, descrito como um valdivioso (palavra da época para valentão, brigão). A história narra situações do cotidiano com humor, mostrando o estilo de narrativa popular da época. Noticiário local A seção “NOTICIARIO” trazia informações práticas: Anúncios: Uma janela para o passado Hotel dos Viajantes De Mariano Cassavia – Rua Toledo Barros O anúncio promete: Note a ênfase em “hygiene”, o movimento higienista estava em alta no Brasil, especialmente após epidemias de febre amarela e gripe espanhola que assolaram o país. Cinema Radium O cinema era a grande novidade tecnológica! O anúncio menciona “programmas distribuidos” e “film relativo aos assumptos da grande guerra” – a Primeira Guerra Mundial era consumida como entretenimento nas telonas! Expressões e linguagem da época Alguns termos que saltam aos olhos: A pontuação também era diferente, com uso frequente de ponto e vírgula onde hoje usaríamos vírgulas simples. O contexto histórico: 1916 No mundo No Brasil Em Cordeiro Como vemos pelo jornal, a vida seguia com suas pequenas fofocas, mexericos, bailes, idas ao cinema e preocupações cotidianas. A guerra mundial parecia distante, aparecia apenas como curiosidade nas telas do Cinema Radium. Personagens recorrentes Alguns nomes aparecem várias vezes no jornal, sugerindo serem figuras conhecidas da cidade: O valor histórico de “O Martello” Este pequeno jornal é um documento precioso porque: Enquanto jornais das capitais cobriam política e guerra, “O Martello” fazia algo igualmente importante: registrava a vida simples de uma pequena cidade brasileira, com seus personagens, suas manias, suas fofocas e seus sonhos. Para refletir Imagine se, daqui a 100 anos, alguém encontrar posts das redes sociais de hoje. Que imagem teriam de nossa época? “O Martello” cumpre exatamente esse papel: é o Instagram, o Twitter e o jornal local de 1916, tudo em um. Cada nome citado foi uma pessoa real. Cada piada tinha um contexto. Cada anúncio representava o ganha-pão de alguém. Este pequeno jornal de três páginas é um portal do tempo para o Brasil de mais de um século atrás. Fonte: O Martello, Cordeiro, 3 de dezembro de 1916, Ano I, Número 3.Acervo: Ta no Arquivo Gostou deste mergulho na história? Temos muito mais jornais antigos para explorar! Acompanhe o Ta no Arquivo para mais viagens no tempo através dos periódicos históricos. Você tem arquivos de jornais? Mande pra nós e compartilhe!