Quando o céu de Cordeirópolis brilhava com a força das fábricas de fogos

Se hoje os fogos de artifício são lembrados apenas nas grandes festas, houve um tempo em que eles faziam parte da rotina de Cordeirópolis Imagine uma noite qualquer nos anos 1920. Não é véspera de ano novo. Não é dia de festa junina. É apenas uma terça-feira comum. Mas de repente, o céu escuro se ilumina com um estouro colorido que faz as crianças correrem para a rua. Pum! Vermelho. Pum! Verde. Pum! Dourado. Não era show pirotécnico importado. Não era evento especial. Era apenas mais um dia na vida de quem vivia numa cidade que produzia seus próprios fogos de artifício. Entre 1918 e os anos 1940, Cordeirópolis teve quatro fábricas de fogos funcionando ao mesmo tempo. Quatro! Em uma cidade pequena do interior paulista, isso significava que o cheiro de pólvora, o barulho de rojões sendo testados e o brilho repentino no céu faziam parte do cotidiano. Esta é a história de quando o céu de Cordeirópolis brilhava todas as noites. Quatro fábricas, uma cidade em chamas 1918. O Brasil ainda se recuperava da primeira Guerra Mundial. A gripe espanhola aterrorizava o país. Mas em Cordeirópolis, uma nova indústria começava a surgir: a produção artesanal de fogos de artifício. Aos poucos, quatro fábricas se espalharam estrategicamente pela cidade: Fábrica 1: proximidades da atual Escola Jamil Abrahão Saad Localizada na Vila Santo Antônio, essa seria uma das maiores e também uma das mais lembradas, por um motivo trágico que veremos adiante. Fábrica 2: Rua José Moreira Onde hoje funciona uma clínica veterinária, outrora havia barracões onde se manipulava pólvora e se enrolavam estopins. Fábrica 3: Rua Guilherme Krauter Em frente ao prédio da Telefônica, esta fábrica era uma das mais centrais, o que significava que explosões  acidentais ou intencionais eram ouvidas por toda a cidade. Fábrica 4: Futuro prédio da Ramenzoni A última das quatro grandes, essa fábrica operou até meados dos anos 1940, sendo uma das últimas a fechar. Quatro fábricas. Dezenas de trabalhadores. Milhares de foguetes, rojões, bombas e traques Cordeirópolis não era apenas uma cidade que usava fogos, era uma cidade que vivia de fogos.  Um ofício arriscado Trabalhar com pólvora nunca foi para os fracos de coração Imagine entrar todos os dias em um barracão de madeira onde toneladas de material inflamável estão armazenadas. Onde um único descuido, uma faísca, um atrito, um estopim mal cortado  pode transformar tudo em chamas. Era assim o dia a dia nas fábricas de fogos de Cordeirópolis. Os trabalhadores na maioria homens, mas também algumas mulheres corajosas passavam horas: Não havia equipamento de segurança moderno. Não havia extintores automáticos. Não havia seguro de vida robusto. Havia apenas a perícia passada de pai para filho, a coragem de quem precisava do trabalho e a fé de que, naquele dia, nada daria errado. Mas nem sempre dava certo. O dia em que a fábrica virou inferno Um dos episódios mais lembrados pelos mais velhos é o incêndio que destruiu a fábrica próxima à Escola Jamil. Ninguém sabe exatamente o que aconteceu. Uma faísca? Um estopim que queimou rápido demais? Um descuido? O fato é que, em questão de minutos, o barracão estava em chamas. E quando uma fábrica de fogos pega fogo, não é um incêndio comum. É um espetáculo no pior sentido da palavra. Explosões em cadeia. Rojões subindo em todas as direções. Bombas explodindo no chão. Estopins acesos correndo como cobras de fogo pelo terreno. As pessoas corriam. Algumas para ajudar. Outras para se proteger. Muitas apenas para ver, porque, por mais terrível que fosse, era impossível desviar os olhos. Felizmente, segundo os relatos, não houve mortes. Mas a fábrica foi completamente destruída. E com ela, parte da produção que sustentava famílias inteiras. Outros incêndios menores aconteceram ao longo dos anos. Fazia parte do risco. Fazia parte da profissão. E ainda assim, enquanto havia demanda, as fábricas continuavam operando. O encanto das festas Mas por que alguém arriscaria tanto? A resposta estava no céu. Toda vez que uma festa religiosa se aproximava, e em Cordeirópolis e na região; elas eram muitas , as fábricas trabalhavam em ritmo acelerado. Festa de Santo Antônio (o padroeiro da cidade) era a mais esperada. Durante dias, os preparativos envolviam: E quando a noite da festa chegava… O céu de Cordeirópolis se transformava. Vermelho, verde, dourado, prateado. Explosões que faziam o chão tremer. Luzes que refletiam nos rostos maravilhados das crianças. Não era apenas um show. Era devoção. Era comunidade. Era a cidade inteira celebrando junta. Para os moradores, o estalar dos rojões e o colorido no céu eram sinal de que a vida estava em ordem. De que, apesar das dificuldades, ainda havia motivo para celebrar. Memórias de quem Viu Quem viveu aquela época guarda memórias vívidas. Em 2008, quando foi realizada a reportagem no Jornal Expresso, os depoimentos eram: “Eu era menina, mas lembro do barulho. Todo dia tinha teste de foguete. A gente já sabia: ‘Lá vem bomba!’ E corria pra ver subir. Era bonito demais.” Outros moravam próximos ou teve parentes que trabalharam nas fábricas: “Na festa de Santo Antônio, a gente não dormia. Ficava na janela vendo os fogos. Parecia que o céu inteiro estava pegando fogo. Era lindo e assustador ao mesmo tempo.”  O fim de uma era Como todas as coisas, as fábricas de fogos de Cordeirópolis tiveram seu fim. Os motivos foram vários: 1. Acidentes frequentes Incêndios e explosões tornavam a atividade cada vez mais arriscada  e cara. 2. Modernização das leis de segurança Com o tempo, o Estado começou a regulamentar a produção de fogos. As exigências aumentaram. As pequenas fábricas artesanais não conseguiam se adequar. 3. Concorrência de grandes indústrias Fábricas maiores, de outras regiões, começaram a dominar o mercado. Produziam em escala, com mais segurança e preços competitivos. 4. Mudança cultural As festas religiosas continuaram, mas o uso massivo de fogos começou a diminuir. A tradição foi se perdendo. Até meados dos anos 1940, a produção havia desaparecido completamente de Cordeirópolis. Os barracões foram demolidos ou reaproveitados. O cheiro de pólvora sumiu

Bate-Pau: A origem polêmica do nome de Iracemápolis

Você sabia que Iracemápolis já foi chamada de “Bate-Pau”? E não, não tem nada a ver com briga. Por décadas, gerações de iracemapolenses cresceram ouvindo histórias sobre o apelido da cidade. “Aqui era o Bate-Pau”, diziam os mais velhos com um sorriso no rosto. “O pessoal brigava muito”, brincavam outros. Mas a verdade por trás desse nome é bem diferente  e muito mais emocionante  do que a lenda urbana sugere. A dança que deu nome a uma cidade Final do século XIX. Nas encostas do Morro Azul, um pequeno povoado começava a se formar. Santa Cruz da Boa Vista mal tinha duzentos habitantes, mas já carregava em seu DNA algo que a tornaria única: a memória viva da escravidão e da liberdade. Ali, onde hoje existem ruas asfaltadas e casas de alvenaria, negros recém-libertados se reuniam para manter viva uma tradição que vinha das senzalas. Era a dança do Bate-Pau um ritual poderoso onde homens e mulheres dramatizavam, ao som de estacas de madeira se entrecruzando no ar, as cenas de sofrimento que haviam vivido. Tac, tac, tac. O som das madeiras ecoava pelas noites. Não era apenas uma dança. Era memória transformada em movimento. Era dor virada em arte. Era resistência. O mal-entendido que virou história Com o passar dos anos, novos moradores chegaram  italianos, alemães, portugueses. Muitos não conheciam a origem da dança. Viam os paus se cruzando no ar e pensavam: “Deve ser por causa das brigas”. Nos anos 40 e 50, quando Iracemápolis lutava pela emancipação política e os ânimos esquentavam com Limeira, o apelido ganhou ainda mais força. As partidas de futebol no velho estádio (que existiu até os anos 60) eram marcadas por rivalidades acaloradas. “Lá vem o pessoal do Bate-Pau!”, provocavam os limeirenses. Mas a verdade? Santa Cruz da Boa Vista era um lugarejo tranquilo, de poucas casas e povo pacato. O nome nunca teve relação com violência. Você sabia? A dança do Bate-Pau ainda existe! Ela é conhecida hoje como Maculelê  uma manifestação cultural afro-brasileira que mantém viva a memória dos ancestrais. Os movimentos e o ritmo continuam os mesmos: bastões de madeira se cruzando no ar, simulando lutas e trabalhos forçados, transformando sofrimento em beleza. Quando Iracema virou Iracemápolis Em 1923, o governador Washington Luís elevou o pequeno povoado à categoria de Distrito de Paz. Era hora de um nome oficial, digno. A escolha foi uma homenagem ao Coronel José Levy, proprietário da Fazenda Iracema, em cujas terras nascera a vila. Mas havia poesia na decisão: Nascia Iracemápolis, a cidade Lábios de Mel. O detalhe que ninguém conta Aqui vai uma curiosidade que poucos sabem: tecnicamente, quem nasce em Iracemápolis deveria ser chamado de iracemapolitano, não iracemapolense. Por quê? Porque quando uma palavra termina em “polis” (como Florianópolis, Cosmópolis, Nápolis), o gentílico correto é “politano”: florianopolitano, cosmopolitano, napolitano. Mas não se preocupe, o uso popular consagrou “iracemapolense”, e é assim que nos chamamos com orgulho! Para refletir Quantas histórias da sua cidade você acha que conhece? E quantas, como a do Bate-Pau, foram mal interpretadas ao longo do tempo? A história de Iracemápolis nos lembra que nomes carregam memórias — e que vale a pena desenterrar essas memórias antes que se percam completamente. Das senzalas às ruas Hoje, quando você caminha pelas ruas de Iracemápolis, está pisando em terra sagrada. Ali, nas encostas do Morro Azul, nas margens do Ribeirão Cachoeirinha, homens e mulheres que conheceram a escravidão foram os primeiros a sonhar com liberdade. Eles não tinham muito. Não tinham ruas asfaltadas, luz elétrica ou água encanada. Mas tinham algo poderoso: a memória de quem eram e de onde vieram. E guardavam essa memória do único jeito que sabiam: dançando, batendo madeiras no ar, contando suas histórias. O Bate-Pau não era sobre briga. Era sobre resistência. Era sobre não esquecer.  Fontes históricas Este artigo foi baseado no livro “Iracemápolis: Fatos e Retratos” (2008), do professor José Zanardo, que dedicou três anos de pesquisa para resgatar a memória da cidade. A obra é considerada o registro mais completo sobre as origens de Iracemápolis. E você, q que sabe sobre suas raízes? Sua família tem histórias dos tempos antigos de Iracemápolis? Alguém da sua casa conheceu os pioneiros do Bate-Pau? Ou tem memórias das rivalidades com Limeira nos campos de futebol? Compartilhe nos comentários! A história de uma cidade é feita de histórias de pessoas  e cada relato conta. Próximo artigo da série: “Os Imigrantes que Construíram Iracemápolis: Italianos, Alemães e Portugueses”  Descubra como famílias vindas da Europa transformaram um povoado de duzentas almas na cidade que conhecemos hoje. Tá No Arquivo – Desenterrando histórias que merecem ser contadas.

Groselha de Cordeirópolis: Quando uma garrafinha viajava até Brasília

Tlin, tlin, tlin. O som das caçulinhas batendo umas nas outras no engradado era música para os ouvidos de qualquer criança dos anos 50. Tarde quente em Cordeirópolis. O sol castiga o chão de terra batida da rua do Comércio( hoje atual rua Toledo Barros). Um menino corre até a venda com algumas moedas na mão. “Seu João, me vê uma groselha bem gelada!” A garrafinha sai da caixa de gelo, respingando água fria. O lacre estala. O primeiro gole é pura felicidade. Essa cena se repetiu milhares de vezes entre 1952 e 1962, quando Cordeirópolis tinha sua própria fábrica de refrescos. E o mais impressionante? Aquelas garrafinhas viajavam muito mais longe do que qualquer um imaginaria. O homem por trás das garrafinhas Miguel Rodrigues de Oliveira não era um grande industrial. Era um homem simples que viu uma oportunidade e decidiu arriscar. Em 1952, instalou sua pequena fábrica na esquina da rua Toledo Barros com a Sete de Setembro, um endereço que somente os mais velhos chamam de “Rua do Comércio”. As instalações eram modestas, mas o que faltava em tamanho sobrava em dedicação. Ali, Miguel e sua equipe produziam artesanalmente os refrescos que adoçariam a vida de muitas famílias. Cada garrafa era enchida à mão, lacrada com cuidado e embalada em engradados de madeira. Não era Coca-Cola. Não era Guaraná Antarctica. Era refresco de Cordeirópolis e isso bastava. Groselha e Quinado: Os sabores da cidade Dois sabores dominavam a produção: groselha e quinado. A groselha era a favorita das crianças, doce, vermelha, refrescante. O quinado tinha gosto mais marcante, meio amargo, e fazia sucesso entre os adultos que acreditavam em suas propriedades “fortificantes”. As garrafinhas eram chamadas de caçulinhas, pequenas, de vidro grosso, com tampa de metal que precisava ser aberta com abridor. Geladas, então, eram irresistíveis. Nas festas de aniversário, nos almoços de domingo, nas tardes quentes de verão, lá estavam elas. Cada caçulinha aberta era um evento. Cada gole era saboreado devagar. De Cordeirópolis para o Brasil Aqui é onde a história fica surpreendente. Flávio Rodrigues de Oliveira, filho de Miguel, guarda memórias vívidas daqueles tempos: “Vendíamos muito bem em toda a região, inclusive até para Goiás e no comecinho de Brasília.” Pense nisso. Estamos falando de uma cidadezinha do interior paulista, com uma fábrica artesanal, despachando refrescos para Goiás e para Brasília, a capital federal que estava sendo construída! Como isso acontecia? O Brasil dos anos 50 era um país em transformação. Brasília começou a ser construída em 1956. Milhares de trabalhadores, os candangos, vinham de todos os cantos do país para erguer a nova capital. E precisavam de comida, bebida, mantimentos. Os refrescos de Cordeirópolis chegavam lá. Em caminhões que enfrentavam estradas de terra, poeira e sol escaldante, as caçulinhas viajavam centenas de quilômetros. Era o interior paulista levando seu sabor para o coração do Brasil. A era de ouro dos refrescos artesanais Para entender o sucesso da fábrica de Miguel Rodrigues, é preciso voltar no tempo. Nos anos 50, refrigerantes industrializados ainda eram artigo de luxo no Brasil. A Coca-Cola havia chegado em 1942, mas sua distribuição era limitada às grandes cidades. O Guaraná Antarctica existia desde 1921, mas também não chegava a todos os cantos. No interior, a solução eram as fábricas locais de refrescos. Praticamente toda cidade de médio porte tinha a sua. Eram negócios familiares, artesanais, que atendiam a demanda regional. Cordeirópolis não era exceção, mas tinha um diferencial: qualidade e alcance. Enquanto muitas fábricas se limitavam à cidade e vizinhança, os refrescos de Miguel Rodrigues atravessavam estados. O dia em que as máquinas pararam Em 1962, dez anos após o início, a fábrica fechou suas portas. Por quê? As razões são várias: Miguel Rodrigues teve que tomar a difícil decisão de encerrar o negócio. As máquinas pararam. As caçulinhas deixaram de ser enchidas. O som do engradado tilintando na porta da venda virou apenas memória. Mas que memória. Um sabor que atravessa gerações Quem provou os refrescos de Cordeirópolis nunca esqueceu. Não era só o gosto. Era o ritual. Era a garrafa gelada nas mãos num dia quente. Era o lacre estalando. Era dividir com o irmão, com o primo, com o amigo. Era aquela sensação de que o mundo estava bem quando você tinha uma caçulinha de groselha na mão. Hoje, mais de 60 anos depois, não existem mais as garrafas. Não existe mais a fábrica. Mas existe a memória  viva, forte, doce como groselha. O legado além do sabor A fábrica de refrescos foi mais um capítulo na história empreendedora de Cordeirópolis. Assim como as fábricas de cerâmica e as tecelagens que marcaram época, a indústria de Miguel Rodrigues mostrou que a cidade tinha espírito inovador, capacidade de ir além das suas fronteiras e coragem de ousar. De uma pequena esquina na Rua do Comércio, Cordeirópolis levou seu nome e seu sabor para Goiás, para Brasília, para o Brasil. E isso, nenhum fechamento de fábrica consegue apagar. Você se lembra? Queremos ouvir suas histórias! Mande para o Tá no Arquivo! Seja por mensagem, comentário ou e-mail. Cada lembrança ajuda a manter viva essa história saborosa. Você Sabia? Nos anos 50, ter um refrigerador em casa era luxo. A maioria das famílias guardava as bebidas em caixas de gelo — blocos grandes de gelo que o “homem do gelo” entregava de porta em porta. Por isso, tomar um refresco gelado era um evento especial, não algo do dia a dia. Brasília começou a ser construída em 1956 e foi inaugurada em 1960. Durante a construção, dezenas de milhares de trabalhadores viviam em condições precárias no canteiro de obras. Produtos que vinham de outras regiões do Brasil eram muito valorizados  e os refrescos de Cordeirópolis estavam entre eles. Fonte Histórica Este artigo faz parte da série “Retratos do Passado” e foi desenvolvido com base em depoimentos de moradores antigos de Cordeirópolis, incluindo Flávio Rodrigues de Oliveira, filho do proprietário da fábrica. O texto aqui apresentado é uma adaptação narrativa do blog Tá no Arquivo, mantendo a fidelidade aos

Você sabia que Cordeirópolis já foi movida pela delicadeza de um fio de seda?

Entre amoreiras que se espalhavam pelas ruas e barracões cheios de vida, mulheres e jovens dedicavam horas cuidando dos bichos-da-seda. Era um trabalho silencioso, mas que sustentava famílias inteiras e marcou profundamente a identidade da cidade. No Tá no Arquivo, resgatamos essa memória que mistura suor, paciência e esperança, relembrando os dias em que casulos dividiam espaço até dentro das casas, espalhando histórias que atravessaram gerações. Quando o fio da seda bordou a história de Cordeirópolis Na memória de muitos cordeiropolenses, a cidade ainda guarda um capítulo curioso e pouco lembrado: a criação do bicho-da-seda, que marcou profundamente a economia e o cotidiano das famílias locais nas primeiras décadas do século XX. De acordo com relatos preservados e resgatados em entrevistas feitas pelo Jornal Expresso em 2008, quando a família de Teleforo Sanches chegou a Cordeirópolis por volta de 1926, a prática já era comum em muitas propriedades. As fazendas e colônias da cidade estavam cercadas de grandes plantações de amoreiras, árvore que fornecia a folha essencial para alimentar os bichinhos. As grandes plantações das plantas ficavam em torno da linha férrea, e margeavam hoje a atual Avenida Presidente Vargas. As criações tomavam barracões pela cidade e, muitas vezes, dividiam espaço até dentro das casas. Caixotes cheios de casulos se espalhavam entre os móveis, lembrando que aquele pequeno inseto era, na verdade, o grande sustento das famílias da época. Em alguns trechos da Avenida Presidente Vargas, onde hoje há hospital, piscina e comércios, antes existiam fileiras de amoreiras e galpões cheios de tabuleiros com casulos em formação. O local era conhecido como Centro de Sericicultura, espaço dedicado inclusive a estudos sobre os casulos e técnicas de produção. O trabalho das mãos femininas Quem cuidava dos bichinhos eram, em grande parte, as moças da cidade. A rotina exigia disciplina e delicadeza: as folhas tinham de ser colhidas frescas, verdinhas, e nunca poderiam estar molhadas. A cada dia, o alimento era oferecido com zelo, garantindo que os casulos atingissem o ponto ideal.“Era um trabalho de paciência e dedicação, mas que ajudava muitas famílias a complementar a renda”, lembrava em entrevista Flávio Rodrigues de Oliveira, em entrevista ao jornal Expresso em 2008,  que também atuava em outras frentes da indústria local. Indústria nascente O sucesso da criação incentivou o surgimento da primeira fábrica de tecelagem em 1938, a “Fios de Seda Ltda”, de Francisco Orlando Stocco. Ali eram tecidos fios de raion e também de seda pura. A procura era tão grande que, durante a Segunda Guerra Mundial, parte da produção local foi destinada à confecção de paraquedas militares.Outras indústrias surgiram na sequência, como a Torção Cordeiro e a Sedatex, consolidando Cordeirópolis como um polo têxtil regional por algumas décadas. Trajetória das tecelagens Nos anos 1930 e 40, Cordeirópolis,  ainda era distrito de Limeira, vivia a expectativa de se tornar referência na produção de tecidos. Foi nesse cenário que nasceu a Fioseda Ltda., uma empresa que marcou o início de um ciclo industrial na cidade, embora sua história tenha sido breve e turbulenta. De acordo com o historiador Paulo César Tamiazo, a Fioseda surgiu em 1938, fruto do entusiasmo em torno da produção de seda no Brasil, projeto incentivado pelo governo federal e estadual. Os contratos foram assinados e a empresa ganhou vida em um terreno no então subúrbio do distrito, próximo à atual rua Guilherme Krauter. Os sócios eram nomes conhecidos: Francisco Orlando Stocco, sua mãe Maria Amália Fischer Stocco, além de figuras da família Levy, como o Major José Levy Sobrinho, o capitão Ary Levy Pereira e Manoel Simão de Barros Levy. Era um grupo de peso, que acreditava no potencial da seda como motor de desenvolvimento. Sobre os terrenos da antiga Indústria de Seda Nacional, foram erguidas construções simples: um edifício de seis cômodos, instalações sanitárias e até uma cabine elétrica. Pouco a pouco, o espaço começava a ganhar ares de um parque industrial. Mas a história da Fioseda logo se entrelaçou com as tensões mundiais. Durante a Segunda Guerra, propriedades de descendentes de alemães, italianos e japoneses foram alvo de fiscalização e até confisco pelo governo brasileiro. Documentos revelam que a Agência Especial de Defesa Econômica do Banco do Brasil acompanhava de perto as transações. A desconfiança política e o cenário de guerra acabaram sufocando os negócios. Entre idas e vindas, a empresa passou para as mãos de grupos como a Krauter & Cia. e os Jafet, de São Paulo. As trocas de terrenos e as disputas judiciais mostram como o sonho da seda se desfez rapidamente, sem nunca alcançar o brilho esperado. Hoje, restam apenas as marcas desse tempo: algumas casas ainda de pé, registros cartoriais e a memória de uma tentativa ousada de transformar Cordeirópolis em um polo têxtil. A história da Fioseda, como lembra Tamiazo, é um retrato de uma cidade que sempre buscou inovar, mas que também sentiu de perto os impactos da política e da economia mundial. Essas  informações do historiador estão no artigo: 1941, a encruzilhada da industrialização moderna de Cordeirópolis, publicado em 2016, no Portal Cordero Virtual. Um tempo que não volta Hoje, as amoreiras quase não são vistas, e os barracões foram substituídos por casas, hospital e comércios. Mas a lembrança daquela época, em que as ruas eram perfumadas pelo verde das amoreiras e pelas mãos cuidadosas das mulheres que criavam o bicho-da-seda, permanece como um fio de memória que continua bordando a história da cidade.  Esse artigo fez parte da série “Retratos do Passado”. Se você tem fotos, lembranças ou histórias sobre a época do bicho-da-seda em Cordeirópolis, envie para o Tá no Arquivo e ajude a completar esse capítulo!  Curta a página, compartilhe com seus amigos e parentes e mantenha viva a memória da nossa cidade!

Yolanda Penteado: a “Caipirinha de Leme” que brilhou no mundo e nunca esqueceu suas raízes

Em Leme, a história não é feita só de fazendas, cafezais e ruas antigas. É também feita de personagens que levaram o nome da cidade muito além das nossas fronteiras. Uma dessas figuras foi Yolanda de Ataliba Nogueira Penteado, lembrada pela historiadora Cibele Arle como uma das mulheres mais marcantes da história lemense. Da Fazenda Empyreo para o mundo Nascida em 6 de janeiro de 1903, na tradicional Fazenda Empyreo, Yolanda cresceu cercada de arte, cultura e poder. Filha de Juvenal Penteado e Guiomar Ataliba Nogueira, desde cedo conviveu com nomes como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Oswald e Mário de Andrade. De espírito livre, ousada e à frente de seu tempo, Yolanda chegou a viver um romance com Santos Dumont e cultivou uma amizade de vida inteira com Assis Chateaubriand, que a apelidou carinhosamente de “Caipirinha de Leme” — um título que ela carregava com orgulho, sempre lembrando suas origens. Inovadora na Fazenda Empyreo Quando a crise do café atingiu a região, Yolanda mostrou sua força. Transformou os campos da Fazenda Empyreo com novas culturas: algodão, bicho-da-seda e mandioca, ajudando a suprir a falta de trigo durante a guerra.Mais tarde, investiu na cana-de-açúcar e fez da fazenda palco de grandes festas, que recebiam de artistas a políticos entre eles, Ronald Reagan, Vinicius de Moraes e Juscelino Kubitschek. Arte, cultura e protagonismo feminino Ao lado de Ciccillo Matarazzo, Yolanda foi fundamental para a criação do Museu de Arte Moderna de São Paulo e da 1ª Bienal de Arte de São Paulo (1951), que trouxe obras de 21 países e marcou história com a exibição de Guernica, de Picasso, em 1953. Também colaborou com Assis Chateaubriand na criação de museus regionais e doou parte de sua coleção ao Museu de Arte Contemporânea da USP. Amor por Leme Mesmo vivendo no coração da elite cultural paulista, Yolanda nunca esqueceu Leme. Doou terrenos para a construção do clube de campo e de um campo de aviação, criou o Rancho Empyreo e foi provedora da Santa Casa. Sua ligação com a terra natal foi tão intensa que, após sua morte em 14 de agosto de 1983, suas cinzas foram espalhadas justamente na Fazenda Empyreo,  símbolo eterno de sua vida. Um legado que atravessa gerações Yolanda Penteado foi retratada até em minissérie  “Um Só Coração” (2004) , mas, para Leme, ela continua sendo a mulher que levou o nome da cidade ao mundo sem nunca abandonar suas raízes.  Como resume a historiadora Cibele Arle:“Yolanda uniu aristocracia, inovação e generosidade. Representa uma época em que Leme esteve no centro da cultura e da arte, mas sem perder o vínculo afetivo com sua gente.”  Se essa história também te emocionou, compartilhe com seus amigos e ajude a manter viva a memória de quem fez Leme brilhar no Brasil e no mundo. Acompanhe também o nosso canal e assista o vídeo especial de Yolanda Penteado.

A estrada secreta que encurtou o tempo e mudou o destino de Iracemápolis

Você sabe por que essa estrada foi chamada de a ‘veia do açúcar’ do interior paulista? Continue aqui na página e descubra o motivo.  Senador Vergueiro e a estrada que mudou tudo  Mais um capítulo baseado em “Iracemápolis: Fatos e Retratos” de José Zanardo (2008). Aqui no Tá no Arquivo, contamos essa parte da história sob um novo olhar — o dos caminhos, das rotas, do transporte que abriu o mundo pra gente.  O desafio de ligar as terras ao mundo No início do século XIX, produzir era uma coisa  levar o que se produzia para mercados era outra completamente diferente. As estradas eram trilhas estreitas, lama em épocas de chuva, subidas difíceis. Nem sempre se podia contar com pontes ou caminhos consolidados. Com o açúcar vindo das sesmarias (Morro Azul, Paraguaçu, Paramirim e Ibicaba), era urgente ter rotas melhores para transportar produtos, açúcar, aguardente, mantimentos  até aos centros maiores como Piracicaba, Campinas e São Paulo. Era logística pesada: burros, carroças, atoleiros. Vergueiro e a estrada do Morro Azul a Piracicaba Foi o Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro quem percebeu que, sem estradas, o potencial da região ficava preso. Segundo Zanardo, a estrada Morro Azul–Piracicaba entrou em cena por volta de 1823, encurtando distâncias, reduzindo tempo e custos de transporte. (Zanardo, livro) Essa estrada abriu portas: possibilitou escoamento mais rápido dos engenhos, permitiu que pessoas se deslocassem com mais liberdade, fortaleceu o comércio. Não era só uma estrada de terra era o passaporte para crescimento.  Outras conexões da época: estrada para Campinas e pontes Fontes externas dizem que a ligação entre Morro Azul e Campinas também foi essencial. A estrada Morro Azul–Campinas teria sido aberta em torno de 1823–1826. (Vitruvius). Para cruzar rios como o Jaguari e o Atibaia, foram construídas pontes, algo que só se completou efetivamente em 1826. Essas pontes transformaram os caminhos: deixaram de ser obstáculos e se tornaram parte da estrutura que ligava comunidades  Curiosidades de bastidor  Que mudança isso trouxe? A construção da estrada significou: Para Iracemápolis e toda a região, isso foi decisivo: sem essa estrada, talvez muitos dos engenhos e sesmarias tivessem ficado à margem da história, porque não haveria como tirar seus produtos ou conectar comunidades. Convite ao leitor  Já imaginou quantas vidas foram tocadas por essa estrada? Quantos carregamentos de açúcar atrasados, quantos caminhos inacessíveis?Se alguém da sua família viveu perto dessas vias ou estrada antiga, conta pra gente! Compartilhe essas histórias ou fotos. Quer saber mais? Continue no Tá No Arquivo. Vale a pena conhecer tudo!

150 anos depois: o que restou da Estrada de Ferro Sorocabana e o que ainda pode voltar?

Foram os trilhos que uniram cidades, histórias e vidas. A Estrada de Ferro Sorocabana, inaugurada em julho de 1875, completa 150 anos e continua sendo símbolo de desenvolvimento e luta. O sonho inicial era escoar o algodão, mas logo os vagões passaram a carregar café, mercadorias e passageiros, conectando o interior paulista ao litoral e impulsionando a economia não apenas do estado, mas de todo o país. Com mais de 800 km de linha tronco, a Sorocabana ligava São Paulo a Presidente Epitácio, passando por cidades como Sorocaba, Botucatu, Ourinhos, Assis e Presidente Prudente. Ramais estratégicos, como o de Itararé (até o Paraná) e o de Jurubatuba (hoje Linha 9-Esmeralda da CPTM), reforçavam a integração. Outro trecho importante foi o que ligava Mairinque a Santos, fundamental para o escoamento da produção agrícola e industrial. Mas nem tudo foram conquistas fáceis. A ferrovia também foi palco de greves históricas entre 1914 e 1919, marcadas por jornadas exaustivas, baixos salários e a luta por dignidade. Foi nesse contexto que nasceu a força sindical que até hoje resiste. O Sindicato dos Ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana, fundado em 1932, tornou-se uma das maiores entidades sindicais da América do Sul. Fechado por Vargas em 1940, renasceu e deu origem ao atual Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana, reconhecido oficialmente em 1974 e que hoje completa 50 anos de história. Sob a presidência de José Claudinei Messias, o sindicato segue firme na defesa dos trabalhadores da base Sorocabana, CPTM e empresas privadas. Representa ativos e aposentados, enfrenta a precarização e acompanha os processos de concessão e privatização, sempre em busca de garantir que o suor de quem construiu os trilhos não seja esquecido. Hoje, parte da malha foi concedida à iniciativa privada com a Rumo Logística no transporte de cargas, a CCR (MOTIVA) operando linhas da CPTM e metrô, e até o VLT da Baixada Santista sob administração da BR Mobilidade. Mas a luta sindical continua: ferrovia é mais do que transporte, é patrimônio, é história e é futuro. O Sindicato dos Ferroviários da Zona Sorocabana honra cada trabalhador que, ao longo de 150 anos, deixou sua marca nos trilhos que ajudaram a erguer cidades e transformar a vida de milhares de pessoas. Tá no Arquivo resgata, mas também valoriza quem mantém essa memória viva: o trabalhador ferroviário. Este artigo é uma reprodução do Sindicato dos ferroviários da Estrada de ferro Sorocabana.

 A cerveja que nasceu em Cordeirópolis: memórias de uma fábrica esquecida

Pouca gente sabe, mas Cordeirópolis já teve a sua própria fábrica de cerveja. Um detalhe curioso e quase esquecido da história local que ajuda a mostrar como o município sempre teve espírito empreendedor. Segundo relatos preservados no Tá no Arquivo e lembrados em reportagem de 2008, a cervejaria funcionava por volta de 1890, quando o então “Cordeiro” ainda era um pequeno distrito cercado por fazendas e colônias.  Onde ficava a fábrica? A antiga fábrica iniciava suas instalações na rua Carlos Gomes, na altura da atual farmácia Drogacentro, e seguia até a esquina com a rua Toledo Barros, onde na época havia a casa da família Pagoto. Era um quarteirão movimentado, que misturava comércio e inovação industrial. Ali, em plena virada do século XIX para o XX, a produção de cerveja acontecia em escala regional, atendendo consumidores locais e das cidades vizinhas. A bebida e o contexto da época Produzir cerveja no interior paulista no final do século XIX era ousado. A bebida, antes restrita a grandes centros e famílias endinheiradas, começava a se popularizar. Enquanto a produção artesanal crescia em pequenas cidades, grandes marcas ainda davam seus primeiros passos no Brasil. O “Cordeiro” não ficou de fora desse movimento. A cervejaria local mostrava que havia espaço para inovação e prazer nos encontros sociais da época, seja nas festas populares, nos bailes ou nos bares que começavam a surgir. O que restou? Com o tempo, a fábrica fechou suas portas. Não há registros exatos sobre sua duração, nem fotografias conhecidas de sua produção. Restaram apenas memórias orais, transmitidas por famílias e preservadas em entrevistas como a de Antonio Reinaldo Meneghin (in memoriam), que fazia questão de manter viva a lembrança desse pedaço da história. Hoje, no local, restam apenas os comércios modernos. Mas o terreno guarda a marca silenciosa de uma das primeiras tentativas de industrialização em Cordeirópolis. Um brinde à memória Falar da antiga fábrica de cerveja é brindar ao passado da cidade. É lembrar que Cordeirópolis já ousava sonhar em produzir algo que unia pessoas e embalava momentos de convivência. Quem sabe, um dia, essa memória não inspire novos empreendedores a escrever mais um capítulo dessa história com sabor local? Veja também Esta lembrança foi registrada no Jornal Expresso em 2008.Veja a edição completa do jornal impresso da época

Fogos no céu e cerveja na mesa: a história pouco contada sobre as indústrias de Cordeirópolis

Você sabia que Cordeirópolis já teve fábrica de fogos de artifício e até de cerveja? Veja essa reportagem no Tá No Arquivo Em janeiro de 2008, o Jornal Expresso (hoje Martello News) trouxe à tona memórias valiosas guardadas por cordeiropolenses que testemunharam a transformação da cidade. Entre eles, os irmãos Antonio Reinaldo Meneghin e Nice Meneghin, além do empresário Teleforo Sanches  todos já in memoriam. Seus relatos são um convite a revisitar um tempo em que Cordeirópolis, ainda chamada de “Cordeiro”, dava os primeiros passos rumo ao desenvolvimento. Essas lembranças foram reunidas na série “Retratos do Passado”, e hoje o Tá no Arquivo traz novamente à vida essas histórias que misturam suor, fé, indústria e tradição.  As raízes da cidade Cordeirópolis nasceu oficialmente em 24 de dezembro de 1948, com a emancipação político-administrativa reconhecida pela Lei Estadual nº 233. Mas sua história já se desenhava muito antes. Documentos de 1822 registram colonizadores ligados à Fazenda Ibicaba, do senador Vergueiro, ocupando a região. Para Antonio Reinaldo Meneghin, porém, a origem era ainda mais antiga. Ele recordava que seu avô contava sobre a passagem de bandeirantes, que montaram uma fábrica de cordas no local onde hoje fica a Avenida Wilson Diório. “Havia até uma roda d’água para enrolar os fios”, dizia sorrindo, em 2008, quando contou suas memórias. A fábrica de cerveja e os comércios do passado Pouca gente sabe, mas em 1890 Cordeirópolis teve uma fábrica de cerveja. Localizada na rua Carlos Gomes, funcionava até a esquina da Toledo Barros. Já em 1940, surgia a primeira cooperativa de consumo, que depois daria origem ao Supermercado Guardia, oferecendo produtos mais acessíveis aos moradores.  Os fogos que iluminavam o céu Em 1918, nada menos que quatro fábricas de fogos de artifício funcionavam na cidade. A produção animava festas religiosas e populares até o início dos anos 40, quando começaram a encerrar atividades. Uma delas ficava onde hoje está a Escola Jamil Abrahão Saad, outra na rua José Moreira e mais duas nas ruas Guilherme Krauter e Ramenzoni.  Seda e tecelagens: a força feminina no trabalho Nos anos 20 e 30, a criação do bicho-da-seda transformou a paisagem da cidade. Grandes plantações de amoreiras alimentavam os casulos, e barracões se espalhavam pela atual Avenida Presidente Vargas. A mão de obra era, em grande parte, feminina: as jovens cuidavam das folhas, que precisavam estar verdes e secas para alimentar os bichinhos. Da sericicultura nasceu a primeira fábrica de tecelagem em 1938, a Fios de Seda Ltda. Nos anos seguintes, surgiram outras: Torção Cordeiro, Sedatex e Torção Sanches, de Teleforo Sanches. Durante a Segunda Guerra, a produção de fios de seda era vital para fabricar paraquedas, o que trouxe auge econômico para a cidade. “Essa indústria trouxe muito emprego para as mulheres. Eram mais de 250 trabalhando em três turnos”, recordava dona Nice Meneghin em 2008.  Cerâmicas e óleos de laranja O setor cerâmico também marcou época. A primeira fábrica de telhas surgiu em 1935, fundada por Manoel Beraldo, pai de Luiz Beraldo (prefeito nos anos 60). Depois vieram a Cerâmica Carmelo Fior e a Cerâmica Floresta, no bairro de Cascalho. Outro ramo em alta foi o de óleo de laranja, que chegou a ter três fábricas em funcionamento na década de 40. Humberto Levy, Jamil Abrahão Saad e outros empresários transformaram a fruta em riqueza industrial, movimentando a economia local.  Papel, refrescos e novas frentes Na década de 40, Cordeirópolis também ganhou a Fábrica de Papelão Gabriel Saad. Depois, nos anos 50, a Papirus e, mais tarde, a Indústrias de Papel R. Ramenzoni consolidaram o setor, mesmo após incêndios e crises. Entre 1952 e 1962, a cidade também teve uma indústria de refrescos, de Miguel Rodrigues de Oliveira, que produzia groselha e eram engarrafados em pequenas “caçulinhas”. A bebida chegava a Goiás e ao recém-criado Distrito Federal. Patrimônio e construção civil A Construtora Caci, de 1947, ergueu muitas casas que ainda permanecem de pé, testemunhas de um tempo de expansão urbana. Já o Casarão Fratini, construído no século XIX, quase se perdeu em ruínas, mas foi restaurado pelo empresário Victor Levy. Hoje, abriga reuniões e ainda guarda o charme da arquitetura antiga. O fio que liga passado e presente As memórias de Meneghin, Nice e Teleforo não são apenas lembranças pessoais. Elas foram testemunhos de como Cordeirópolis se reinventou ao longo do século XX: das cordas aos fogos, da seda ao papel, das cerâmicas aos refrescos. São histórias que mostram uma cidade que cresceu com criatividade, trabalho e coragem. Histórias que não podem ser esquecidas.

Descobrimento do Brasil: por que a data mudou de 3 de maio para 22 de abril?

Você sabia que o Descobrimento do Brasil já foi comemorado em 3 de maio? Descubra como um morador de Leme (SP), José de Almeida Peixe Abade, provou que a data correta é 22 de abril de 1500. A polêmica da data do DescobrimentoMuita gente aprende na escola que o Descobrimento do Brasil aconteceu em 22 de abril de 1500, quando a frota de Pedro Álvares Cabral desembarcou na região da atual Porto Seguro (BA).O registro mais famoso desse episódio é a Carta de Pero Vaz de Caminha, documento que descreve em detalhes a nova terra avistada numa terça-feira. Conversamos com a historiadora e chefe de Núcleo de Patrimônio Histórico da cidade de Leme, Cibele Arle, ela explica que durante séculos acreditou-se que a chegada havia ocorrido em 3 de maio. O motivo? Essa era a data da Festa da Santa Cruz, e como o Brasil foi inicialmente batizado de Terra de Vera Cruz, a coincidência acabou gerando a confusão. O papel de um morador da nossa região Quem ajudou a resolver esse erro histórico foi um personagem pouco lembrado, mas essencial: José de Almeida Peixe Abade, morador de Leme (SP).• Advogado, delegado e promotor.• Jornalista e historiador apaixonado pela verdade dos fatos.• Fazendeiro e figura de grande influência social em sua região.Na década de 1940, intrigado com a polêmica, Peixe Abade mergulhou em pesquisas. Analisando documentos raros, inclusive a Carta de Caminha, ele reuniu provas de que o Brasil foi avistado em 22 de abril, e não em 3 de maio. Reconhecimento oficialEm 1949, José de Almeida Peixe Abade apresentou seu estudo à Câmara dos Deputados. Sua pesquisa foi aceita e o Brasil, enfim, passou a celebrar oficialmente o 22 de abril como o Dia do Descobrimento.Graças a ele, a memória nacional foi corrigida e, até hoje, é essa a data reconhecida nos livros, escolas e calendários. Biografia resumida de José de Almeida Peixe Abade• Nascimento: 2 de fevereiro de 1889, em Araras (SP).• Infância: Mudou-se para Leme após o falecimento do pai. Adotou o sobrenome “Abade” em homenagem ao padrasto.• Carreira: Formado em Direito, atuou como delegado, promotor e advogado.• Vida pessoal: Casou-se em 1917 com Olga Aranha e teve seis filhos.• Atuação social: Foi vice-presidente da Câmara de Leme e presidente do Esporte Clube Lemense.• Historiador: Autor de pesquisas que mudaram a forma como o Brasil entende seu descobrimento.• Falecimento: 20 de junho de 1964, em Leme, aos 65 anos. Por que lembrar dessa história? Como ressalta Cibele Arle, compreender os bastidores dessa mudança é reconhecer que até os grandes fatos da nossa história podem ter sido fruto de interpretações equivocadas. E que pessoas comuns, como um advogado e pesquisador do interior paulista podem mudar o curso da narrativa nacional. Conclusão O descobrimento do Brasil não é apenas uma data no calendário, mas um símbolo de identidade.Graças ao trabalho incansável de José de Almeida Peixe Abade, hoje sabemos que foi em 22 de abril de 1500 que Cabral e sua esquadra chegaram oficialmente ao território brasileiro. Se você gostou de conhecer essa curiosidade histórica, compartilhe este artigo, marque um amigo que também gosta de história e ajude a fortalecer o Tá no Arquivo!