Cordeirópolis nos anos 40: o teatro, o cinema e a música já encantavam a cidade

O cenário da cidade nos anos 30 e 40 Cordeirópolis, ainda chamada de “Cordeiro”, era um município pequeno, com apenas três ruas principais e pavimentação em paralelepípedo. O giro financeiro vinha basicamente do comércio, já que o restante da população vivia em colônias espalhadas pelas grandes fazendas. Segundo relatos de moradores da época, havia mais gente morando nas colônias do que no centro. E no coração da cidade, em cada esquina, um comércio mantinha a vida econômica ativa. Mas o que realmente fez a cidade se destacar foi a presença da Cia. Paulista de Estrada de Ferro. Suas imponentes locomotivas a vapor reuniam mais de 400 funcionários, transformando a pequena Cordeirópolis em um polo de movimento e progresso. Essa lembrança foi registrada em entrevista ao Jornal Expresso pelo ex-prefeito Teleforo Sanches (já falecido), que, aos 85 anos, contou que chegou a Cordeirópolis em 1927, quando seu pai abriu uma padaria na esquina das ruas Visconde do Rio Branco e José Bonifácio. A força da cultura em uma cidade pequena Apesar do tamanho modesto, Cordeirópolis respirava cultura, arte e lazer. O cinema, a música e principalmente o teatro movimentavam a vida social da cidade. As apresentações eram feitas por amor, dedicação e entusiasmo — tudo improvisado e artesanal. Os cenários, muitas vezes montados com papelões e panos pintados à mão, levavam horas, até dias, para ficarem prontos. Os atores, amadores, eram também cenógrafos, iluminadores e até marceneiros de palco. O saudoso José Valdir Vidoretto, o “Miúdo”, lembrou em entrevista ao Expresso de um dos grandes momentos da época: “Me recordo da encenação da Paixão de Cristo por volta de 1978. Foram sete dias inteiros preparando o cenário da crucificação, mas a cena durou apenas seis minutos.” As primeiras grandes peças teatrais Segundo depoimentos de antigos moradores, o auge do teatro local começou na década de 1940. O pioneirismo marcou a memória de muitos. O também saudoso Moacir Hespanhol, aos 83 anos, ( já falecido) contou sobre uma das primeiras montagens: “Branca de Neve e os Sete Anões”. “Nunca me esqueço… fomos apresentar em Leme e percebemos que tínhamos esquecido a espingarda do caçador. Eu era o caçador! Tive que improvisar e disse que mataria a Branca de Neve enforcada”, relembrou entre risos. O elenco que entrou para a história Na foto histórica de 22 de agosto de 1940, registrada em arquivo de Osvaldo Hubner, estão os atores que deram vida ao conto de fadas: Um legado que ecoa até hoje Essas histórias mostram que Cordeirópolis, mesmo pequena, sempre teve uma veia cultural forte. O improviso, o talento e a paixão pelo espetáculo construíram memórias que atravessaram gerações — e que agora estão guardadas no Tá no Arquivo. E você, já conhecia essa parte tão viva da história cultural de nossa cidade? *Esta reportagem foi originalmente publicada no Jornal Expresso em 2008 e chega agora ao Tá no Arquivo com uma nova leitura, mais fiel às memórias de quem viveu a época.
Cascalho – palco de espetáculos, bandas e memórias inesquecíveis

Reportagem reproduzida do Jornal Expresso (2008) Muito antes de Cordeirópolis se tornar município, o bairro de Cascalho já respirava movimento, cultura e tradição. Imigrantes se estabeleceram por lá em peso, e por pouco o bairro não se tornou o centro urbano da futura cidade. “A primeira reforma agrária do Brasil aconteceu em Cascalho”, contou em 2008 o morador Antonio Paiola, o Nego, em entrevista ao Jornal Expresso. “As ruas foram divididas para virar a cidade. Até a ferrovia deveria passar por aqui, mas acabou ficando em Cordeiro.” E realmente, Cascalho tinha vida própria: fábrica de cerveja , armazéns, farmácia, padaria, dentista e até o famoso conjunto musical “Jazz de Cascalho”, que animava bailes nas fazendas. Famílias fabricavam para consumo próprio: vinhos de uva que vinham de Jundiaí , vinho de laranja artesanal, açúcar mascavo, pinga nos engenhos e até fumo de corda. Era o bairro pulsando entre trabalho, fé e diversão. Cultura em destaqueCascalho não se resumia a comércio e produção: tinha teatro, peças dirigidas por Jacob Tomazella, apresentações de comediantes como Ermindo Peruchi e, claro, suas famosas bandas.Foram três gerações de bandas que marcaram época, regidas por nomes como José Della Coletta, José Paiola Filho e José Minatel. O “Jazz de Cascalho” completava o espetáculo com pandeiro, cavaquinho e saxofone, embalando os bailes de 1949 a 1952. As vozes de Orlando Paiola e Antonio Orzari, os “gargantas de ouro”, ainda ecoam na memória dos mais antigos. Esporte e lazerCascalho também tinha seus times de futebol — Citrus F.C. e Cascalho Futebol Clube — além dos tradicionais campos de bocha, que animavam as tardes do bairro. Terra fértilEntre plantações e criação de bichos-da-seda, o bairro se mantinha produtivo e criativo. Cascalho, mais do que um bairro, foi um verdadeiro cenário de espetáculo, trabalho e convivência que ajudou a escrever a história de Cordeirópolis. E você, já ouviu falar do Jazz de Cascalho, das bandas ou dos bailes que aconteciam no bairro?Conta pra gente nos comentários. Foto original. Observação: Na capa usamos IA para melhorar a qualidade da foto.
Cordeirópolis pode ter mais de 200 anos? Uma história que desafia os registros oficiais

Você sabia que Cordeirópolis pode ser muito mais antiga do que imaginamos?Embora o marco oficial de fundação seja o ano de 1886, existe a possibilidade de que a cidade tenha mais de 200 anos de história, segundo memórias preservadas por antigos moradores. Em uma reportagem especial publicada pelo Jornal Expresso em janeiro de 2008, foi registrado um valioso depoimento do senhor Antonio Reinaldo Meneghin, que na época contava aos 88 anos de idade. Ele faleceu alguns anos depois, mas deixou um relato rico e convincente, baseado nas histórias que ouviu de seus bisavós ainda na infância, sobre o antigo povoado chamado “Cordeiro”. Apesar de os registros históricos mais concretos virem das pesquisas do historiador Paulo César Tamiazo, que identificou no jornal O Estado de São Paulo, datado de 14 de março de 1886, a notícia sobre o início das obras da Capela de Santo Antônio dos Cordeiros origem reconhecida do povoado , os relatos do senhor Meneghin trazem luz a uma história ainda mais remota.Afinal, se a capela seria construída, é sinal de que já havia um povoamento anterior organizado na região. “Cordeiro” antes da fundação: memórias de um tempo esquecido O senhor Meneghin revelou na entrevista: “Meu avô sempre contava que por aqui passaram os Bandeirantes. O governador da época mandava que as pessoas viajassem 47 léguas para o norte do Estado, e eles vinham parar aqui, onde montaram uma fábrica de cordas”. Segundo ele, essa fábrica de cordas estaria localizada onde hoje é a avenida Wilson Diório, nas proximidades do atual posto de gasolina. O senhor ainda relatou que no local havia uma roda d’água usada para enrolar os fios, tecnologia comum na época colonial. Embora esses relatos não tenham comprovação documental, é importante lembrar que muito da história antiga não foi registrada oficialmente, e muitas vezes se perpetuou apenas na memória dos moradores. Isso nos permite considerar com carinho e atenção essa possibilidade: a de que Cordeirópolis possa ter sido habitada e desenvolvida muito antes de 1886. O que os documentos revelam A pesquisa feita por Tamiazo revelou que cinco dias antes da publicação da notícia no jornal O Estado de São Paulo, ou seja, em 9 de março de 1886, haviam começado os trabalhos de construção da capela o que hoje é a Igreja Matriz de Santo Antônio. Esse fato, considerado o marco inaugural do município, corrige o equívoco histórico que constava no brasão e na bandeira da cidade, que indicavam 1889 como data de fundação. Após as comprovações, a Câmara Municipal ajustou oficialmente a lei dos símbolos municipais em 1993. Curiosamente, antes dessa descoberta no jornal, já existia um documento datado de 30 de março de 1886, que registrava a venda de terrenos no então povoado. Isso reforça ainda mais a ideia de que o povoamento já existia antes da fundação oficial, corroborando parte do que foi contado pelo senhor Meneghin. Antes de Cordeirópolis, um mar de fazendas Muito antes da cidade, a região era terra de grandes propriedades rurais. Já em 1817, o Governo de São Paulo começava a oficializar as posses. Foi assim que surgiram nomes importantes como a Fazenda Ibicaba e a Sesmaria do Cascalho. O solo que hoje calça ruas e avenidas foi, um dia, cenário da transição entre cana-de-açúcar e café. E foi o café que acabou mudando tudo: exigiu infraestrutura, atraiu mão de obra e aproximou o interior do mundo. O trem que mudou o destino – 1876 Campinas e Rio Claro foram conectadas pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. E no meio do caminho, uma parada: a Estação do Cordeiro. Ali, onde hoje passam carros e moradores apressados, o apito do trem anunciava progresso. Era o início do adensamento urbano. Era o prenúncio da cidade. Cascalho – o bairro que impulsionou o crescimento Você sabia que o bairro Cascalho foi o primeiro núcleo colonial oficial do Estado de São Paulo?Sim, fundado em 1884, a partir de terras compradas de Domingos Nogueira Jaguaribe, o núcleo foi criado para acolher imigrantes em um Brasil recém-saído da escravidão. Cascalho trouxe movimento. Gente nova. Comércio. Produção. E mais do que isso: consolidou a Estação do Cordeiro como ponto vital da região. De povoado à Capela de Santo Antônio do Cordeiro Enquanto Cascalho florescia, outro nome começava a se fixar: Manoel Barbosa Guimarães. Foi ele quem loteou terras próximas e deu início ao que seria o núcleo urbano da futura cidade, nomeado como Capela de Santo Antônio do Cordeiro, provavelmente em 1885. O pequeno comércio crescia, os trilhos levavam e traziam esperança, e a capela reunia moradores em fé e festa. O nascimento oficial e a mudança de nome – 1899.Comércio se fortalecendo e agricultura pujante fizeram a vila se tornar distrito de paz. Foi reconhecida pela Lei Estadual nº 645. Anos depois, em 1943, por plebiscito, o nome mudou: de Cordeiro para Cordeirópolis, agora com o “polis” de cidade, de povo. Em 1948, o ciclo se completava. Cordeirópolis se tornava município independente por meio da Lei Estadual nº 233, sancionada em 24 de dezembro. Um presente de Natal histórico. Seda, cerâmica e o futuro Poucos sabem, mas o primeiro parque industrial de Cordeirópolis surgiu com a produção de seda. Depois, a cidade foi se reinventando, e a cerâmica se tornou a nova força econômica. Hoje, no ano de 2025, se aproximando dos 140 anos de história (considerando oficial), a cidade continua sendo escrita — pelas mãos dos que chegaram, dos que ficaram e dos que não esquecem suas raízes. Conclusão Cordeirópolis não começou com asfalto e semáforos. Começou com fé, imigração, estrada de ferro e uma capela. Começou com coragem. Queremos saber: você conhece histórias antigas da cidade? Tem fotos, lembranças ou curiosidades da época da Estação do Cordeiro ou da Capela de Santo Antônio? Mande pra gente. Aqui, a memória não se perde. Ela se eterniza. Porque se a história é boa, Tá no Arquivo.
Você conhece a história das famílias italianas que perderam filhos durante a viagem ao Brasil?

O Choro de Roberto Rosolem – Além do Mar Na quietude abafada da Fazenda Santa Thereza, perdida no coração da província de São Paulo, um homem permanecia imóvel, os olhos fixos na terra vermelha que cobria seus sapatos gastos. Seu nome era Roberto Rosolem, e trazia nos ombros mais do que o peso de sua própria história — trazia a de uma geração inteira de homens e mulheres que haviam deixado tudo para trás em nome de um sonho. Veio da Itália, como tantos outros, em busca de uma vida melhor. Deixou a aldeia, a casa humilde, o cão no quintal, e embarcou com a esposa, os filhos e a esperança. O que encontrou, porém, foi algo para o qual nenhum deles estava preparado. A viagem foi uma travessia de tormenta. Durante quatro dias, as ondas chicotearam o casco do navio como se tentassem expulsá-los de volta para casa. No porão, o ar era espesso, os corpos amontoados, as crianças febris. Dormiam pouco, suavam muito. A cada nascer do sol, mais um olhar perdia o brilho, mais uma mãe apertava o filho contra o peito, temendo o silêncio súbito. Quando finalmente desembarcaram em Santos, o ar parecia menos salgado, mas ainda carregado de incerteza. A primeira voz italiana que ouviram era seca, dura — e avisava: “Aqui, não é o paraíso.”Na Casa da Imigração em São Paulo, a multidão era assustadora. Mais de dez mil almas dividindo espaço e desespero. Roberto caminhava entre famílias que dormiam em cima de mesas, crianças deitadas em chão frio, mulheres chorando nos cantos. Naquela noite, ele também chorou. E pela primeira vez, sentiu vergonha por ter trazido seus filhos ali. Foram levados à Fazenda Santa Thereza dias depois. Ao chegar, encontraram tudo — menos abrigo. Amontoados com outras 138 pessoas em uma única casa, viveram seus primeiros dias sob calor, insetos e escassez. Não havia consolo. O que havia era perda. Roberto, que embarcara com onze filhos, agora contava apenas cinco. Os demais ficaram pelo caminho, levados por febres tropicais, falta de atendimento, fraqueza.Via os pequenos italianos da fazenda com os pés feridos, infestados por bichos, as pernas inchadas, o choro constante. O horror tomou-lhe o corpo inteiro. Ele, que queria construir um futuro, sentia-se agora culpado por cada passo daquela jornada. Queria voltar. Gritava em silêncio para voltar. Se pudesse, desfaria o tempo, desceria do navio, abraçaria o cão que ficou. Preferia mil mortes na Itália a um só dia naquela América estranha e indiferente. Mas ele permanecia. Porque ainda tinha filhos. Porque ainda tinha amor. E porque, mesmo sem querer, a vida insistia em continuar. No final da tarde, sob a sombra fraca de uma árvore nativa, escreveu uma carta. Destinou-a ao patrão de outrora, o doutor Ferdinando Chisini. Não pediu dinheiro. Não pediu ajuda. Pediu orações. Pediu que rezassem por eles, os que ficaram. Para que tivessem saúde. Para que, quem sabe, um dia pudessem voltar para casa. Para que um dia, alguém soubesse o que viveram ali.Não como números, mas como gente. Gente que chorou. Gente que sonhou. Gente que ficou. Nota Final Esta narrativa é a adaptação literária da carta escrita por Roberto Rosolem, um imigrante italiano que chegou ao Brasil em 1897. É a história de uma família que contou sua trajetória vinda da Itália, com suas emoções, expectativas, dores e também alegrias. O conteúdo foi extraído do vídeo produzido pela Associação Trevisani nel Mondo e recriado com o auxílio da inteligência artificial, com o objetivo de trazer emoção a essa memória da imigração italiana no Brasil. Acompanhe também o nosso canal Tá no Arquivo. Assista também uma reprodução do Tá Arquivo clicando aqui.