Você sabia que Cordeirópolis já foi movida pela delicadeza de um fio de seda?

Entre amoreiras que se espalhavam pelas ruas e barracões cheios de vida, mulheres e jovens dedicavam horas cuidando dos bichos-da-seda. Era um trabalho silencioso, mas que sustentava famílias inteiras e marcou profundamente a identidade da cidade.

No Tá no Arquivo, resgatamos essa memória que mistura suor, paciência e esperança, relembrando os dias em que casulos dividiam espaço até dentro das casas, espalhando histórias que atravessaram gerações.

Quando o fio da seda bordou a história de Cordeirópolis

Na memória de muitos cordeiropolenses, a cidade ainda guarda um capítulo curioso e pouco lembrado: a criação do bicho-da-seda, que marcou profundamente a economia e o cotidiano das famílias locais nas primeiras décadas do século XX.

De acordo com relatos preservados e resgatados em entrevistas feitas pelo Jornal Expresso em 2008, quando a família de Teleforo Sanches chegou a Cordeirópolis por volta de 1926, a prática já era comum em muitas propriedades. As fazendas e colônias da cidade estavam cercadas de grandes plantações de amoreiras, árvore que fornecia a folha essencial para alimentar os bichinhos. As grandes plantações das plantas ficavam em torno da linha férrea, e margeavam hoje a atual Avenida Presidente Vargas.

As criações tomavam barracões pela cidade e, muitas vezes, dividiam espaço até dentro das casas. Caixotes cheios de casulos se espalhavam entre os móveis, lembrando que aquele pequeno inseto era, na verdade, o grande sustento das famílias da época.

Em alguns trechos da Avenida Presidente Vargas, onde hoje há hospital, piscina e comércios, antes existiam fileiras de amoreiras e galpões cheios de tabuleiros com casulos em formação. O local era conhecido como Centro de Sericicultura, espaço dedicado inclusive a estudos sobre os casulos e técnicas de produção.

O trabalho das mãos femininas

Quem cuidava dos bichinhos eram, em grande parte, as moças da cidade. A rotina exigia disciplina e delicadeza: as folhas tinham de ser colhidas frescas, verdinhas, e nunca poderiam estar molhadas. A cada dia, o alimento era oferecido com zelo, garantindo que os casulos atingissem o ponto ideal.
“Era um trabalho de paciência e dedicação, mas que ajudava muitas famílias a complementar a renda”, lembrava em entrevista Flávio Rodrigues de Oliveira, em entrevista ao jornal Expresso em 2008,  que também atuava em outras frentes da indústria local.

Foto reproduzida com IA

Indústria nascente

O sucesso da criação incentivou o surgimento da primeira fábrica de tecelagem em 1938, a “Fios de Seda Ltda”, de Francisco Orlando Stocco. Ali eram tecidos fios de raion e também de seda pura. A procura era tão grande que, durante a Segunda Guerra Mundial, parte da produção local foi destinada à confecção de paraquedas militares.
Outras indústrias surgiram na sequência, como a Torção Cordeiro e a Sedatex, consolidando Cordeirópolis como um polo têxtil regional por algumas décadas.

Trajetória das tecelagens

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Nos anos 1930 e 40, Cordeirópolis,  ainda era distrito de Limeira, vivia a expectativa de se tornar referência na produção de tecidos. Foi nesse cenário que nasceu a Fioseda Ltda., uma empresa que marcou o início de um ciclo industrial na cidade, embora sua história tenha sido breve e turbulenta.

De acordo com o historiador Paulo César Tamiazo, a Fioseda surgiu em 1938, fruto do entusiasmo em torno da produção de seda no Brasil, projeto incentivado pelo governo federal e estadual. Os contratos foram assinados e a empresa ganhou vida em um terreno no então subúrbio do distrito, próximo à atual rua Guilherme Krauter.

Os sócios eram nomes conhecidos: Francisco Orlando Stocco, sua mãe Maria Amália Fischer Stocco, além de figuras da família Levy, como o Major José Levy Sobrinho, o capitão Ary Levy Pereira e Manoel Simão de Barros Levy. Era um grupo de peso, que acreditava no potencial da seda como motor de desenvolvimento.

Sobre os terrenos da antiga Indústria de Seda Nacional, foram erguidas construções simples: um edifício de seis cômodos, instalações sanitárias e até uma cabine elétrica. Pouco a pouco, o espaço começava a ganhar ares de um parque industrial.

Mas a história da Fioseda logo se entrelaçou com as tensões mundiais. Durante a Segunda Guerra, propriedades de descendentes de alemães, italianos e japoneses foram alvo de fiscalização e até confisco pelo governo brasileiro. Documentos revelam que a Agência Especial de Defesa Econômica do Banco do Brasil acompanhava de perto as transações. A desconfiança política e o cenário de guerra acabaram sufocando os negócios.

Entre idas e vindas, a empresa passou para as mãos de grupos como a Krauter & Cia. e os Jafet, de São Paulo. As trocas de terrenos e as disputas judiciais mostram como o sonho da seda se desfez rapidamente, sem nunca alcançar o brilho esperado.

Hoje, restam apenas as marcas desse tempo: algumas casas ainda de pé, registros cartoriais e a memória de uma tentativa ousada de transformar Cordeirópolis em um polo têxtil. A história da Fioseda, como lembra Tamiazo, é um retrato de uma cidade que sempre buscou inovar, mas que também sentiu de perto os impactos da política e da economia mundial. Essas  informações do historiador estão no artigo: 1941, a encruzilhada da industrialização moderna de Cordeirópolis, publicado em 2016, no Portal Cordero Virtual.

Foto reproduzida com IA

Um tempo que não volta

Hoje, as amoreiras quase não são vistas, e os barracões foram substituídos por casas, hospital e comércios. Mas a lembrança daquela época, em que as ruas eram perfumadas pelo verde das amoreiras e pelas mãos cuidadosas das mulheres que criavam o bicho-da-seda, permanece como um fio de memória que continua bordando a história da cidade.

Foto reproduzida por IA

 Esse artigo fez parte da série “Retratos do Passado”. Se você tem fotos, lembranças ou histórias sobre a época do bicho-da-seda em Cordeirópolis, envie para o Tá no Arquivo e ajude a completar esse capítulo!  Curta a página, compartilhe com seus amigos e parentes e mantenha viva a memória da nossa cidade!