Das lavouras italianas às “trevas” de Cascalho, a história não contada de Padre Luiz Stefanello
Antes de enfrentar demônios, ele quase foi apenas um lavrador. Antes de se tornar lenda, ele teve que escolher entre o amor e o chamado de Deus.
Depois das séries “O padre que veio da Itália e mudou Cascalho para sempre” e “Os exorcismos de Cascalho”: as histórias que ninguém esqueceu’, o Tá no Arquivo revela o capítulo que faltava: a origem.
Como um jovem camponês de Vêneto renunciou ao casamento, cruzou o oceano e se transformou no exorcista mais poderoso do interior paulista?
Esta é a história de uma escolha impossível. Uma renúncia total. Um destino extraordinário. Leia esse artigo que ninguém contou até hoje e se surpreenda.
Das lavouras à batina
O início da trajetória de fé, renúncia e missão do padre que transformou o interior paulista
Depois das séries, o Tá no Arquivo continua a reconstruir a história de padre Luiz Stefanello, agora no início de sua caminhada: “Das lavouras à batina”.
Nessa fase, descobrimos o jovem camponês que quase se casou e seguiria o destino comum da roça, mas que movido por um chamado profundo renunciou a tudo para entregar-se à vida religiosa. Essa escolha o conduziu a uma jornada que cruzaria oceanos, transformando-o em símbolo de fé e devoção popular no interior paulista.

Raízes humildes em Pionca di Vigonza
Luiz Stefanello nasceu em Pionca di Vigonza, uma vila agrícola da província de Pádua, na região do Vêneto, norte da Itália uma das áreas mais católicas e agrícolas do país.
Filho de Antonio e Angela Stefanello, lavradores, cresceu entre plantações e orações. O som dos sinos da igreja guiava o ritmo da vida: trabalho de dia, missa aos domingos e rezas à noite.
O livro “Um Exorcista na Estância” descreve sua infância como simples, mas espiritualmente rica. Desde pequeno, Luiz mostrava uma fé intensa, mesmo sem entender as palavras do missal em latim.
Sua mãe, mulher piedosa, foi quem o introduziu nas devoções a Nossa Senhora, rezando com ele diante de um pequeno oratório feito de madeira na cozinha da casa.
O sonho de formar uma família
Como muitos jovens do campo, Luiz cresceu com o destino praticamente traçado: trabalhar na lavoura e construir sua própria família.
Na juventude, conheceu uma moça com quem chegou a se comprometer, planejando o casamento e a continuidade do trabalho familiar.
O casal sonhava em cultivar a mesma terra dos pais, criar filhos e viver a vida simples dos agricultores italianos do início do século XX.
Mas um acontecimento mudaria seu rumo para sempre.
O chamado que transformou tudo
Durante uma missão paroquial, Luiz ouviu um padre missionário falar sobre vocação. As palavras tocaram fundo.
Segundo o livro, naquela noite ele não conseguiu dormir. Sentia um misto de inquietação e paz como se algo o chamasse para um propósito maior.
Dias depois, confidenciou ao pároco local o desejo de ser padre. O sacerdote, surpreso, tentou lembrá-lo das dificuldades:
“Estudar teologia exige muito, e os estudos são longos e caros. Você é um homem do campo, Luiz.”
Mas a decisão já estava tomada.
Luiz rompeu o noivado e decidiu procurar o seminário dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos), fundado por Dom João Batista Scalabrini, bispo de Piacenza, conhecido por seu amor aos migrantes italianos.
A difícil aceitação no seminário
A chegada ao seminário foi marcada por desafios.
Luiz tinha 23 anos, era mais velho do que os outros candidatos, e sua formação escolar era básica.
Os superiores desconfiavam de sua capacidade de acompanhar os estudos de filosofia e teologia.
Antes de ser aceito, foi levado até Dom Scalabrini, que o submeteu a uma entrevista pessoal uma espécie de “prova vocacional”.
O bispo, conhecido por sua sensibilidade pastoral, perguntou o que Luiz poderia falar sobre a fé, já que não dominava o latim nem os conceitos teológicos.
Sem hesitar, ele respondeu com simplicidade:
“Posso falar de Maria.”
Diante da permissão, o jovem camponês começou a falar sobre a Virgem Maria com emoção, descrevendo-a como “a mãe que consola os pobres e protege os que sofrem”.
As palavras simples, mas carregadas de fé, comoveram o bispo.
Dom Scalabrini se levantou e, sorrindo, disse:
“Quem ama Maria desse modo, já tem o coração preparado para servir a Deus.”
E assim, Luiz Stefanello foi aceito como seminarista não por sua erudição, mas por sua devoção.
Essa foi a primeira de muitas provas em que a fé simples venceria as limitações humanas.
Anos de estudo e perseverança
No seminário, Luiz enfrentou grandes dificuldades.
Tinha dificuldade com o latim, lutava com os textos filosóficos e muitas vezes se sentia inferior aos colegas.
Mas compensava com disciplina e oração. Passava noites estudando à luz de lamparina e, quando o cansaço era demais, rezava diante da imagem de Maria, pedindo forças.
O livro relata que ele costumava repetir uma frase simples:
“Se Maria disser ‘sim’ por mim, eu não falharei.”
A fé mariana se tornou sua marca pessoal e acompanharia sua missão até os últimos dias, quando, já idoso, ainda rezava diariamente o rosário.
Depois de anos de esforço, Luiz foi ordenado sacerdote em 1907.
A missão que cruzou o oceano
Logo após sua ordenação, veio a notícia: o novo padre seria enviado ao Brasil, país que recebia milhares de imigrantes italianos.
A decisão o encheu de medo e coragem.
Deixou novamente tudo a terra natal, os pais, os amigos e embarcou em um navio rumo ao desconhecido.
A travessia foi longa e marcada por tempestades. No diário da congregação, há relatos de que Luiz passava as noites em oração no convés, confortando os passageiros e conduzindo preces durante a viagem.
Quando o navio aportou no Porto de Santos, no litoral paulista, o jovem missionário chorou.
Estava diante do novo campo de trabalho um mundo de fé e desafios.
O padre do povo
Padre Luiz foi encaminhado para o interior de São Paulo, onde comunidades de italianos tentavam reconstruir a vida nas colônias agrícolas.
Falando o mesmo dialeto e vivendo as mesmas dificuldades, ele rapidamente conquistou a confiança dos colonos.
Celebrava missas em pequenas capelas, visitava doentes e ajudava nas plantações.
Sua maneira de pregar era simples e direta: falava de Deus usando exemplos do campo, comparando a fé a uma semente que precisa de cuidado diário.
Foi ali que começou a ser conhecido como “o padre do povo” um homem de batina gasta, terço nas mãos e coração aberto a todos.
E foi também nesse período que os primeiros relatos de curas e fenômenos espirituais começaram a surgir discretamente, prenunciando a missão que o tornaria conhecido anos depois como “O Exorcista da Estância.”

O dom que brotava da fé
Mesmo sem compreender completamente o que acontecia, padre Luiz percebia que sua oração tinha efeito sobre os que sofriam.
Os fiéis diziam que, depois de suas bênçãos, sentiam paz e alívio.
Ele, no entanto, nunca se vangloriou: atribuía tudo à intercessão de Maria, a quem sempre chamava de “minha primeira professora da fé”.
No próximo episódio
O Tá no Arquivo seguirá com mais episódios, mostrando os primeiros anos do padre no Brasil, seus trabalhos nas colônias italianas e os desafios espirituais que marcaram o início da jornada que o levaria a Cascalho e, mais tarde, a Águas de Santa Bárbara.
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