Poucas famílias conseguiram deixar um legado tão marcante na história do interior paulista quanto os Levy. Vindos da Alemanha em meados do século XIX, eles atravessaram oceanos, guerras e transformações sociais até se tornarem parte essencial da construção econômica e cultural de Limeira, Cordeirópolis e região.
Um livro que resgata séculos de memória
O registro dessa trajetória ganhou forma em uma obra idealizada por Paulo Masuti Levy, descendente direto do patriarca Jacob Levy. Fascinado pelas histórias contadas pelos mais velhos, Paulo iniciou o projeto com o propósito de reunir fotos, documentos e lembranças espalhadas entre os ramos familiares. O resultado foi um verdadeiro álbum de família, que vai além da genealogia — é uma narrativa de fé, resistência e reconstrução.

O autor contou com a ajuda da irmã Antonieta Levy, responsável pela organização dos textos, e do pai, que colaborou com recordações e documentos antigos. O projeto, que começou como um simples levantamento de registros, transformou-se em um livro que atualiza a genealogia da família até o ano de 2022, reunindo mais de dois mil descendentes espalhados pelo país.
O símbolo que representa a família, o Jequitibá da Fazenda Ibicaba, é o emblema da força e da longevidade dos Levy: raízes profundas e galhos que se espalham em muitas direções, mas que permanecem firmes em sua origem.
Bollendorf: o início de tudo
A história começa em Bollendorf, uma pequena vila do distrito de Bitburg, na Alemanha, às margens do rio Sauer, próxima à fronteira com Luxemburgo. Durante o século XIX, a comunidade judaica local viveu um período de prosperidade e integração. Os judeus eram comerciantes, artesãos e pequenos industriais que contribuíam ativamente para o desenvolvimento da região.
Entre eles estava Jacob Levy, registrado em documentos de 1847 como morador da casa nº 14. Ele fazia parte de uma geração que acreditava na educação, no trabalho e na convivência pacífica, mas que acabaria enfrentando as sombras do antissemitismo crescente na Europa.

Com a deterioração das condições econômicas e a intensificação das perseguições religiosas, Jacob decidiu emigrar. Em 1857, ele e sua família embarcaram para o Brasil — uma decisão que marcaria o início da presença Levy em terras paulistas.
Os judeus em Bollendorf: fé, convivência e perseguição
O historiador Paul Colljüng relata que os judeus de Bollendorf viveram cerca de 90 anos de relativa harmonia com os vizinhos cristãos, participando da economia e da vida social local. Contudo, a partir do início do século XX, o avanço do nacionalismo e das ideias antijudaicas mudou esse cenário.
Durante o regime nazista, a violência se intensificou. O ponto mais dramático foi a “Noite dos Cristais” (Kristallnacht), em novembro de 1938, quando sinagogas e residências judaicas foram destruídas. Em Bollendorf, os ataques resultaram em espancamentos, prisões e incêndios, entre as vítimas estavam membros da própria família Levy, como Daniel, Karl e Max Levy.
Com a guerra, boa parte da comunidade foi dizimada. Os nomes dos Levy aparecem entre os deportados e combatentes mortos. Após o conflito, apenas poucos sobreviventes retornaram. Em homenagem, o governo local restaurou monumentos e lápides judaicas, lembrando os cidadãos que outrora fizeram parte da vida de Bollendorf — entre eles, os Levy.
Da Alemanha ao interior paulista: a chegada à Fazenda Ibicaba
Em 1857, os Levy chegaram ao Brasil e se estabeleceram na Fazenda Ibicaba, que pertencia a Limeira (SP) na época, uma das propriedades do senador Nicolau de Campos Vergueiro, onde funcionava a Colônia Vergueiro, símbolo da imigração europeia no país.
A Fazenda Ibicaba representava uma nova oportunidade para famílias europeias que buscavam liberdade e trabalho digno após o período de perseguições. Foi lá que os Levy iniciaram sua vida brasileira, trabalhando inicialmente na agricultura, dentro do sistema de parceria que substituía a mão de obra escrava.
Embora o projeto fosse inovador, não estava livre de tensões. Os imigrantes enfrentavam dívidas e condições difíceis, o que gerou revoltas e protestos. Mesmo assim, famílias como a Levy souberam se adaptar, desenvolver novas atividades e prosperar.
O Jequitibá centenário que se ergue na Fazenda Ibicaba é descrito no livro como o símbolo vivo da família: um marco de resistência, fé e continuidade.

A consolidação em Limeira e Cordeirópolis
Com o fim do trabalho agrícola, a família Levy migrou para os centros urbanos, principalmente Limeira então uma cidade em plena expansão comercial. Ali, começaram a abrir casas de comércio, armazéns e oficinas, tornando-se referência em honestidade e empreendedorismo.
Os Levy desembarcaram no Brasil trazendo na bagagem uma imagem de Nossa Senhora, símbolo da fé que os guiaria dali em diante. O bisavô José foi batizado por Dona Angélica, esposa do senador Vergueiro, que acolheu a família e tornou-se sua madrinha espiritual. Assim, os Levy abraçaram o catolicismo e encontraram em Ibicaba o começo de uma nova vida.
Eles se destacaram como trabalhadores dedicados e como uma das famílias mais influentes da região.
Ao longo do tempo, os Levy expandiram seus negócios para Bombocado (hoje Cordeirópolis), Piracicaba, Rio Claro e Araras, ajudando a fortalecer a economia do interior paulista.
As gerações Levy e o legado regional
A genealogia do livro apresenta Jacob Levy como o tronco da árvore, seguido por seus filhos — Daniel, Victor, Samuel, Julius e Albert Levy que deram origem a diferentes ramos. Muitos deles se casaram com membros de famílias tradicionais da região, como Masuti, Lotti, Bianchi, Mello e Barros, ampliando a rede de influência econômica e social.
As gerações seguintes seguiram caminhos diversos: alguns se tornaram industriais, outros comerciantes, profissionais liberais ou servidores públicos. Muitos foram responsáveis por entidades beneficentes e por ações culturais que marcaram Limeira e Cordeirópolis.

O levantamento genealógico reúne mais de 2.000 descendentes, com registros que abrangem cidades como Limeira, Cordeirópolis, Piracicaba, Rio Claro, Campinas e São Paulo capital.
A força das raízes
A história da família Levy é uma narrativa de resistência e reconstrução. De um lado, o passado europeu manchado pela intolerância; do outro, a fé e o trabalho que floresceram no solo brasileiro.
O livro de Paulo Masuti Levy é mais do que um registro genealógico é um testemunho histórico que conecta gerações, preservando o elo entre as raízes judaicas de Bollendorf e o legado paulista que ajudou a moldar Limeira e Cordeirópolis.
O Jequitibá da Fazenda Ibicaba continua sendo o símbolo dessa jornada: forte, enraizado e cheio de vida assim como os Levy.
Conclusão:
Da Alemanha ao interior de São Paulo, a trajetória dos Levy é um espelho da própria história da imigração europeia no Brasil: feita de coragem, fé e trabalho. Um passado que não apenas moldou famílias, mas também ajudou a construir cidades inteiras.
Fonte histórica
Este artigo foi baseado no livro “Os Levy” , editado pela Biblioteca Paulo Masuti Levy, uma obra do álbum da família Levy, do ano de 2023. O texto aqui apresentado é uma adaptação narrativa para o site Tá No Arquivo, mantendo os fatos históricos documentados.
