Dona Margarida Macota: A parteira que trouxe Iracemápolis ao mundo

A mulher que, entre 1920 e 1960, foi responsável pelo nascimento de boa parte da população da cidade

Em uma época em que hospitais eram raros e o parto domiciliar era a norma, uma mulher se destacou em Iracemápolis por sua dedicação, habilidade e amor ao próximo. Dona Margarida Macota, (Margarida Maria da Rocha) parteira prática que atuou entre as décadas de 1920 e 1960, foi responsável por trazer ao mundo centenas, talvez milhares de iracemapolenses, deixando um legado imensurável na história da cidade.

Foto reproduzida por IA

As mãos que acolhiam a vida

Dona Margarida não possuía diploma universitário, mas carregava algo mais valioso: o dom de cuidar e a sabedoria transmitida de geração em geração. Como parteira prática, ela dominava técnicas ancestrais de assistência ao parto, combinando conhecimento empírico com uma sensibilidade única para lidar com as gestantes e suas famílias.

Sua casa era conhecida por todos. A qualquer hora do dia ou da noite, Dona Margarida estava pronta para atender ao chamado de uma família que aguardava a chegada de um novo membro. Munida de sua maleta com os instrumentos básicos, panos limpos e suas mãos experientes, ela percorria as ruas de terra de Iracemápolis, muitas vezes a pé ou de carroça, para chegar às residências onde era esperada.

Mais que uma parteira: Uma figura materna

O trabalho de Dona Margarida ia muito além de auxiliar no momento do parto. Ela acompanhava as gestantes durante a gravidez, oferecia conselhos sobre cuidados com o bebê, preparava chás medicinais e ficava ao lado das mães nos primeiros dias após o nascimento. Em uma época sem recursos médicos sofisticados, sua presença transmitia segurança e confiança.

Muitas famílias de Iracemápolis têm histórias para contar sobre Dona Margarida. Relatos passados de pais para filhos falam de sua paciência infinita, de suas palavras de conforto nos momentos de dor, e de sua alegria genuína ao anunciar: “É menino!” ou “É menina!”. Para muitas mulheres daquela época, ter Dona Margarida ao lado durante o parto era como ter uma mãe presente no momento mais importante de suas vidas.

O contexto histórico

Entre 1920 e 1960, o Brasil ainda era predominantemente rural, e Iracemápolis não era exceção. O acesso a hospitais e médicos era limitado, especialmente para as famílias mais humildes. Nesse contexto, as parteiras práticas como Dona Margarida desempenhavam um papel fundamental na saúde pública, sendo muitas vezes a única assistência disponível para as gestantes.

A profissão de parteira era reconhecida e respeitada. Essas mulheres eram pilares de suas comunidades, guardiãs de conhecimentos tradicionais sobre gestação, parto e cuidados com o recém-nascido. Dona Margarida representava essa tradição em Iracemápolis, sendo procurada por famílias de todas as classes sociais.

Um legado que atravessa gerações

Estima-se que Dona Margarida tenha assistido ao nascimento de boa parte da população de Iracemápolis nascida entre 1920 e 1960. Isso significa que muitos dos avós e bisavós das famílias atuais da cidade vieram ao mundo pelas suas mãos. Seu legado está literalmente presente em cada geração de iracemapolenses.

Além dos nascimentos, Dona Margarida ajudou a formar uma rede de solidariedade feminina na cidade. As mulheres que ela assistia muitas vezes se tornavam suas amigas e confidentes, criando laços que fortaleciam o tecido social de Iracemápolis. Sua casa era um ponto de encontro onde gestantes trocavam experiências, receitas e conselhos.

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O fim de uma era e o início da memória

Com o passar dos anos e a modernização dos serviços de saúde, os partos domiciliares foram gradualmente substituídos pelos hospitalares. A década de 1960 marcou uma transição importante na assistência obstétrica brasileira, com a crescente medicalização do parto. Dona Margarida, como muitas parteiras de sua geração, viu seu trabalho diminuir à medida que hospitais e maternidades se tornavam mais acessíveis.

No entanto, sua contribuição para Iracemápolis permanece viva na memória coletiva da cidade. Muitos de seus “filhos” como ela carinhosamente chamava aqueles que ajudou a nascer, ainda lembram de sua figura com carinho e gratidão. Algumas famílias guardam fotografias antigas onde ela aparece segurando recém-nascidos, documentos preciosos de uma época em que a vida comunitária era mais próxima e as relações humanas mais estreitas.

Reconhecimento e valorização

Embora não existam registros oficiais completos de todos os partos que Dona Margarida realizou, sua história merece ser contada e celebrada. Ela representa milhares de parteiras brasileiras que, com dedicação e coragem, garantiram que incontáveis vidas chegassem ao mundo com segurança, mesmo em condições adversas.

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Hoje, quando falamos sobre humanização do parto e resgate de práticas tradicionais, é importante lembrar de mulheres como Dona Margarida Macota. Elas foram pioneiras em entender que o nascimento é um momento que exige não apenas técnica, mas também acolhimento, respeito e amor.

 Epidemias e o medo invisível

A história também guarda páginas tristes.
Por volta de 1892, a febre amarela assolou a região. Como lembra o livro de Zanardo, “a maioria dos defuntos eram enterrados apenas num lençol… e até médicos e coveiros foram ceifados pela morte”.

Os remédios eram escassos. Quinino e antipirina eram usados contra a febre, mas muitos preferiam recorrer à medicina caseira, chás de flor-de-laranjeira, compressas e orações. O desespero era combatido com fé, e o tempo era o único aliado da cura.

 Os remédios da terra

Na falta de farmácias, a sabedoria popular fazia milagre.
Os chás eram quase sagrados: hortelã para dor de barriga, arruda para o mau-olhado, mel com limão para tosse e benzedeiras que sopravam palavras sobre as feridas.

Os médicos, quando apareciam, eram figuras de respeito. Suas visitas eram caras, e o preço dependia da distância, de 15 a 20 mil réis por atendimento, segundo Zanardo.

Conclusão

Dona Margarida Macota não foi apenas uma parteira; ela foi uma das construtoras da comunidade de Iracemápolis. Cada vida que ela ajudou a trazer ao mundo contribuiu para o crescimento e desenvolvimento da cidade. Seu legado transcende estatísticas e números, está presente no calor humano, na solidariedade e na memória afetiva de gerações de iracemapolenses.

Ao relembrarmos sua história, prestamos uma homenagem não só a ela, mas a todas as parteiras que, com suas mãos sábias e corações generosos, foram verdadeiras guardiãs da vida. Que a memória de Dona Margarida Macota continue inspirando respeito pela tradição, valorização do conhecimento feminino e reconhecimento da importância do cuidado humanizado em todos os momentos da vida.

“As mãos que recebem uma vida ao nascer deixam marcas eternas no coração de uma comunidade.”

Fonte histórica

Este artigo foi baseado no livro “Iracemápolis: Fatos e Retratos” (2008), do professor José Zanardo, uma obra resultado de três anos de pesquisas dedicadas ao resgate da memória histórica da cidade. O texto aqui apresentado é uma adaptação narrativa do blog Tá No Arquivo, mantendo os fatos históricos documentados.

E a sua história?

Dona Margarida trouxe você ao mundo? Ou seu pai? Sua avó? Seu bisavô?

Se você nasceu em Iracemápolis entre 1920 e 1960 (ou sua família), é bem provável que as mãos de Dona Margarida tenham sido as primeiras a te recepcionar neste mundo. Quantas gerações da sua família ela ajudou a nascer?

Sua família guarda alguma história com ela? Alguma foto antiga? Algum relato da sua avó sobre o dia que deu à luz com Dona Margarida ao lado?

Compartilhe nos comentários. Essas histórias merecem ser contadas. Merecem ser lembradas.