Fogos no céu e cerveja na mesa: a história pouco contada sobre as indústrias de Cordeirópolis

Você sabia que Cordeirópolis já teve fábrica de fogos de artifício e até de cerveja? Veja essa reportagem no Tá No Arquivo

Em janeiro de 2008, o Jornal Expresso (hoje Martello News) trouxe à tona memórias valiosas guardadas por cordeiropolenses que testemunharam a transformação da cidade. Entre eles, os irmãos Antonio Reinaldo Meneghin e Nice Meneghin, além do empresário Teleforo Sanches  todos já in memoriam. Seus relatos são um convite a revisitar um tempo em que Cordeirópolis, ainda chamada de “Cordeiro”, dava os primeiros passos rumo ao desenvolvimento.

Vista aérea da cidade em 1960

Essas lembranças foram reunidas na série “Retratos do Passado”, e hoje o Tá no Arquivo traz novamente à vida essas histórias que misturam suor, fé, indústria e tradição.

 As raízes da cidade

Cordeirópolis nasceu oficialmente em 24 de dezembro de 1948, com a emancipação político-administrativa reconhecida pela Lei Estadual nº 233. Mas sua história já se desenhava muito antes. Documentos de 1822 registram colonizadores ligados à Fazenda Ibicaba, do senador Vergueiro, ocupando a região.

Para Antonio Reinaldo Meneghin, porém, a origem era ainda mais antiga. Ele recordava que seu avô contava sobre a passagem de bandeirantes, que montaram uma fábrica de cordas no local onde hoje fica a Avenida Wilson Diório. “Havia até uma roda d’água para enrolar os fios”, dizia sorrindo, em 2008, quando contou suas memórias.

Senhor Meneghin no ano de 2008
Nice Meneghin e sua irmã no dia da reportagem em 2008 (ambas já falecidas)

A fábrica de cerveja e os comércios do passado

Pouca gente sabe, mas em 1890 Cordeirópolis teve uma fábrica de cerveja. Localizada na rua Carlos Gomes, funcionava até a esquina da Toledo Barros. Já em 1940, surgia a primeira cooperativa de consumo, que depois daria origem ao Supermercado Guardia, oferecendo produtos mais acessíveis aos moradores.

 Os fogos que iluminavam o céu

Em 1918, nada menos que quatro fábricas de fogos de artifício funcionavam na cidade. A produção animava festas religiosas e populares até o início dos anos 40, quando começaram a encerrar atividades. Uma delas ficava onde hoje está a Escola Jamil Abrahão Saad, outra na rua José Moreira e mais duas nas ruas Guilherme Krauter e Ramenzoni.

 Seda e tecelagens: a força feminina no trabalho

Nos anos 20 e 30, a criação do bicho-da-seda transformou a paisagem da cidade. Grandes plantações de amoreiras alimentavam os casulos, e barracões se espalhavam pela atual Avenida Presidente Vargas. A mão de obra era, em grande parte, feminina: as jovens cuidavam das folhas, que precisavam estar verdes e secas para alimentar os bichinhos.

Da sericicultura nasceu a primeira fábrica de tecelagem em 1938, a Fios de Seda Ltda. Nos anos seguintes, surgiram outras: Torção Cordeiro, Sedatex e Torção Sanches, de Teleforo Sanches. Durante a Segunda Guerra, a produção de fios de seda era vital para fabricar paraquedas, o que trouxe auge econômico para a cidade.

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“Essa indústria trouxe muito emprego para as mulheres. Eram mais de 250 trabalhando em três turnos”, recordava dona Nice Meneghin em 2008.

 Cerâmicas e óleos de laranja

O setor cerâmico também marcou época. A primeira fábrica de telhas surgiu em 1935, fundada por Manoel Beraldo, pai de Luiz Beraldo (prefeito nos anos 60). Depois vieram a Cerâmica Carmelo Fior e a Cerâmica Floresta, no bairro de Cascalho.

Outro ramo em alta foi o de óleo de laranja, que chegou a ter três fábricas em funcionamento na década de 40. Humberto Levy, Jamil Abrahão Saad e outros empresários transformaram a fruta em riqueza industrial, movimentando a economia local.

 Papel, refrescos e novas frentes

Na década de 40, Cordeirópolis também ganhou a Fábrica de Papelão Gabriel Saad. Depois, nos anos 50, a Papirus e, mais tarde, a Indústrias de Papel R. Ramenzoni consolidaram o setor, mesmo após incêndios e crises.

Entre 1952 e 1962, a cidade também teve uma indústria de refrescos, de Miguel Rodrigues de Oliveira, que produzia groselha e eram engarrafados em pequenas “caçulinhas”. A bebida chegava a Goiás e ao recém-criado Distrito Federal.

Mário Oliveira trabalhou com seu pai Miguel na fábrica de refresco (foto tirada no ano de 2008)

Patrimônio e construção civil

A Construtora Caci, de 1947, ergueu muitas casas que ainda permanecem de pé, testemunhas de um tempo de expansão urbana. Já o Casarão Fratini, construído no século XIX, quase se perdeu em ruínas, mas foi restaurado pelo empresário Victor Levy. Hoje, abriga reuniões e ainda guarda o charme da arquitetura antiga.

O fio que liga passado e presente

As memórias de Meneghin, Nice e Teleforo não são apenas lembranças pessoais. Elas foram testemunhos de como Cordeirópolis se reinventou ao longo do século XX: das cordas aos fogos, da seda ao papel, das cerâmicas aos refrescos. São histórias que mostram uma cidade que cresceu com criatividade, trabalho e coragem. Histórias que não podem ser esquecidas.

Páginas do jornal em 2008